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Como cuidar do outro e de si em momentos de catástrofes

Melissa Couto / Crédito: Reprodução Grupo Popular

Diante, durante e após a tragédia que atingiu o Vale do Taquari e a maior parte do Estado, todos os esforços iniciais se voltaram para salvar vidas, socorrer as pessoas com o básico necessário, segurança, alimentação e saúde. Foram e são dias em que as pessoas esqueceram de comer, em que os dias pareciam emendados e se perdia a noção do passar do tempo. Para quem atuou na linha frente de suporte de emergência, “não havia tempo para sentir e sofrer”.

À medida que o tempo passa, surgem mais e mais necessidades, a maioria necessidades básicas para a sobrevivência e saúde, entre elas, água. A ficha começa a cair quando se fala em saúde emocional. Muitas pessoas perderam tudo, outras perderam bastante, algumas menos, mas todos fomos e seremos atingidos de alguma forma. Profissionais da linha de frente atuaram em situação extrema de estresse, muitos inclusive sem notícias de seus familiares por conta das dificuldades de comunicação, decorrente da falta de energia elétrica.

Melissa Couto, psicóloga referência nos Primeiros Socorros Psicológicos em situações de desastres, que já atuou em tragédias como Brumadinho e queda do avião da Chapecoense, que integra a Rede de Apoio Psicossocial (RAP), repassa algumas dicas e orientações para quem foi diretamente atingido, quem atuou na linha de frente de assistência e para toda comunidade.

Processo de luto

Observa-se que desastres e situações traumáticas deste tipo estão cada vez mais frequentes. Elas provocam situações de rompimentos severos de vínculos. A psicóloga explica que desde a Covid-19 as pessoas perceberam que o luto não ocorre apenas por morte. Ele se manifesta em situações que abalam a identidade, os direitos de ir e vir, perdas materiais e de organização de vida, da família e das buscas e conquistas de uma vida inteira. “Vivemos processos intensos de luto ao longo de tragédias como esta”, alerta.

E esta tragédia ainda não terminou, porque ainda estamos vivendo tudo isso, que ocorre quando estávamos recém nos restaurando da cheia anterior, buscando restabelecer a vida, com muita resiliência em comunidade.

Melissa cita a fala do maior especialista em luto, Colin Parkes, quando este diz que a dor que sentimos nos processos de luto é do tamanho do amor que se sente. “Só não sente dor quem não for capaz de amar”, explica. Para Melissa, esta fala resume o que vivemos. A dor será do tamanho de tudo que a gente construiu nesta comunidade a que pertencemos. “E a dor é de cada um, não tem como medir ou comparar. A dor precisa ser amparada”, afirma.

A importância de ofertar cuidado

Muitas pessoas que ajudaram e atuaram no socorro nunca tinham se deparado com situação semelhante. Mesmo entre técnicos e profissionais treinados, talvez ninguém esteja completamente preparado para uma situação assim. Na hora do socorro imediato, voluntários agem por impulso. No pós, muitas dúvidas surgem sobre como proceder.

Melissa explica que o melhor é oferecer cuidado e amparo. Quem tiver uma estrutura um pouco melhor, ou perdeu um pouco menos, e puder ajudar, deve fazê-lo. “Não há nada que a gente diga ou faça que possa diminuir ou amenizar a dor do outro. Porque a dor que cada um está sentindo é a sua pior perda. Falamos, na maioria dos casos, da pior perda que a pessoa já teve, dores que geram grandes rompimentos. O melhor apoio é estar junto, estar presente”, afirma.

Em um primeiro momento o acolhimento deve ser olhando para as necessidades básicas. Verificar se aquela pessoa tem sede, se alimentou, está com frio ou calor, se deseja que ligue para alguém, buscando acionar alguém que possa ser referência de alguma forma. Ver o que ela precisa de imediato naquele momento. Após, é acolher, ser escuta. “Às vezes, a pessoa vai contar dez vezes a mesma história e só o fato de você estar ali para ouvir já faz toda diferença”, explica.

A psicóloga explica que nestes momentos, mesmo profissionais da psicologia não realizam um atendimento de psicologia, na verdade, é um acolhimento e um apoio. E por isso estas orientações são importantes para toda comunidade envolvida.

O que dizer e o que não dizer

A psicóloga também recomenda cuidado no que falar. Deve-se evitar falar de crenças ou expressar falsas esperanças. “Não prometa o que não pode fazer”, afirma. Palavras amparadoras podem ajudar: sinto muito, eu lamento o que aconteceu, eu imagino que não se sinta bem, estou aqui para ajudar, entre outras. No instagram @raprededeapoiopsicossocial há orientações e cartilhas que orientam sobre como proceder.

Como seguir a vida?

Quando ocorre uma catástrofe desta dimensão, todos somos vítimas, diretas ou indiretas. Melissa explica que a gente pode recomeçar a cada dia. O recomeço se dá a cada dia. Após tragédias, sentimentos como culpa, vergonha, raiva, tristeza, dor, desorganização, entre outros, estão muito presentes. As pessoas sentem dor pelo que perderam, mas olham para o lado e entendem que tem pessoas que perderam muito mais. Sempre terá quem perdeu mais ou menos que você.

Melissa destaca que a dor é de cada um. As perdas podem não ter sido maiores que de outros, mas são suas perdas. O fato de ter gente que perdeu mais não desvalida o seu sentimento de perda. Cada um sente dor sobre o que era importante para si. Não significa que suas perdas não são importantes.

São naturais falas do tipo “não posso reclamar porque tem gente muito pior”. Porém, cada um precisará lidar com seu luto e suas dores. “Precisamos ser generosos com nossos sentimentos. Cada um sabe o que perdeu e cada um sabe a dor que sentiu ao perder algo ou alguém importante”, explica.

À medida que cada um se fortalece, que sua rede de apoio se ajusta, cada um pode ofertar ao outro cuidado e ajuda. “Somente quando cuido de mim sou capaz de cuidar do outro”, ressalta. Este sentimento de utilidade, de poder ajudar, também é muito importante.

Melissa ressalta que todos somos humanos e as pessoas precisam se permitir sentir, cada um lidando com as capacidades que possui. “Cada um tem o direito de chorar suas dores e perdas para encontrar um processo que possa auxiliar na ressignificação, que permita recomeçar todos os dias”, finaliza.

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