Na segunda-feira (1º/7), o Plano Real completou 30 anos. Em 1994, o país deparava-se com uma situação de caos e instabilidade econômica – era temerosa a hiperinflação que comandava o cotidiano dos brasileiros. Na década de 80 e início da de 90, a inflação brasileira ultrapassava os 2.000% ao ano. Segundo o economista e secretário da Fazenda de Lajeado, Rafael Spengler, esse cenário era fruto de políticas econômicas desastrosas, aumento excessivo dos gastos públicos e crises globais que afetavam severamente a economia brasileira.
Quem não viveu essa época sombria não tem clara noção das incertezas do valor do seu dinheiro, de não saber se poderia comprar a comida suficiente ou mesmo adquirir um bem durável, como uma casa ou carro.
A velocidade da desvalorização da moeda era imensurável. “As pessoas corriam aos supermercados para comprar produtos antes dos aumentos de preços, enchiam refrigeradores com alimentos perecíveis para evitar a constante remarcação de preços, e aplicavam seus salários em investimentos de curtíssimo prazo, como o overnight, para preservar o poder de compra”, explica Spengler.
Antes do Real
A economista Fernanda Sindelar traça a comparação entre as décadas passadas com a atualidade. “Somente em 1993 a inflação alcançou o índice de 2.477,15% ao ano, enquanto nos últimos 30 anos a inflação acumulada é de 708%. Em 4 anos, o IPCA ultrapassou dois dígitos desde então, sendo o maior valor em 1995, quando chegou em 22,41%”, diz.
A inflação comandava a economia na década de 80 e 90. Planos econômicos anteriores ao Real operavam, contudo, sem sucesso. Entre eles, o Plano Cruzado, que congelou preços por vários meses. Além disso, “o Plano Collor, que ‘confiscou’ o dinheiro dos brasileiros e congelou preços, agravando a situação. Foi nesse contexto que o Plano Real surgiu”, explica a economista.
O Plano Real, como conhecemos hoje, foi desenhado por uma equipe econômica liderada pelo sociólogo e Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, e composta por economistas renomados como Pérsio Arida, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e André Lara Resende.
“Tomara que nunca mais aconteça”
Os relatos de quem viveu a hiperinflação trazem à superfície uma memória nada agradável – os reajustes apertavam os cintos da população brasileira. Os salários eram corroídos pela inflação e poupar dinheiro era impensável.
A empresária e ex-funcionária do Sicredi, Silvane Aschebrock, lembra da frustração das pessoas diante das moedas Cruzado, Cruzeiro, Cruzado Novo, Cruzeiro Novo e URV. Ela explica que, quando entrou o URV, todos os cheques que ainda estavam preenchidos na moeda anterior, bem como o dinheiro, precisavam ser divididos por 2,75 para efetuar a correção.
“Na fila do banco, quem tinha cheque especial e recebia algum dinheiro, vinha depositar. Não era juro real, tu tinhas que pagar a inflação. E quem tinha alguma quantia já entrava na fila para aplicar no overnight, que corrigia uma boa parte do valor”, explica Silvane.
Ela ainda relembra que, com o valor de um salário-mínimo, não era possível comprar uma peça de roupa. Mas reforça que não é possível comparar a situação da época com os dias atuais: “O contexto era muito diferente”, cita.
Até os 21 anos, o empresário Ressoli Adolar Tariga viveu no interior e lembra que, quando chegou a Teutônia, “tinha que correr” para garantir o mínimo de mantimentos para a família, formada por 12 irmãos. “Não podia deixar em banco. Eu lembro do açúcar: íamos comprar um pacote; em um dia tu compravas por dez e no outro já era vinte. Passamos muitas necessidades, nem sempre dava para comprar o que precisava”, diz, relembrando o ano de 1985.
Em 1986, Nelson Zart abriu o seu primeiro negócio, o Super Zart em Teutônia. O proprietário conta que a dificuldade em adquirir os produtos para abastecer o empreendimento era enorme. Além disso, a remarcação dos preços era parte da rotina diária. “Tu compravas a mercadoria e manhã e de tarde já tinha que remarcar o preço. Era todo o dia. Eram poucas mercadorias, tínhamos que ir a Lajeado ou outras cidades para consegui-las. Eu lembro que em 1982, os juros para comprar uma motocicleta eram de 70%. Ninguém hoje tem noção disso”, detalha.
Dragão controlado
A inflação era retratada na época como um dragão, pois “queimava o poder de compra” dos consumidores. Além disso, a figura mitológica tem aparência assustadora; é enorme e de ataque fulminante, assim como a inflação. O Plano Real provocou uma transformação enorme na economia do Brasil.
“A inflação, que antes era um monstro incontrolável, foi domada, permitindo que o país experimentasse um período de estabilidade econômica sem precedentes. A população pode, finalmente, planejar suas finanças, poupar e investir em um futuro mais seguro”, explica Rafael Spengler. Segundo o economista, a nova moeda permitiu a atração de investimentos internos e externos no Brasil, e promoveu a geração de riqueza.
O Real foi implantado de foma gradual ao longo de um ano, até que houve a alteração de moeda em si. Fernanda Sindelar pontua que, “com o Real, houve uma redução drástica do índice de inflação. A estabilidade contribuiu para a ampliação do horizonte das empresas e famílias, que passaram a realizar o planejamento de seus gastos e investimentos, assim como possibilitou a modernização das instituições financeiras”, finaliza.
As três fases do Plano Real
1) Controle fiscal: O plano começou com um ajuste fiscal em 1993, que incluía cortes significativos nos gastos do governo e aumento das receitas através de elevação das alíquotas de impostos e a criação de um Fundo de Emergência para programas sociais.
2) Equiparação ao dólar: Em fevereiro de 1994, foi criada a Unidade Real de Valor (URV), uma moeda virtual indexada ao dólar. Essa unidade foi usada como referência para preços, salários e contratos, estabilizando os preços ao reduzir a variação diária. Esta fase marcou o uso conjunto do Cruzado e da URV.
3) Criação de uma moeda forte: Em 1º de julho de 1994, o Plano Real foi sancionado pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, substituindo a URV. A transição foi cuidadosamente planejada e monitorada, com uma fiscalização rigorosa para evitar abusos nos preços.