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Uso do Bolsa Família cai 10,7% em Teutônia

Crédito: Reprodução/Internet

A população de Teutônia apresenta fortes indicativos de ter aumentado após as enchentes de 2023 e 2024, com a migração de diversas famílias atingidas por desastres climáticos. A análise de dados feita por órgãos municipais, com base em procura por vagas em escolas e cartões do SUS, mostra um crescimento na demanda por serviços básicos, sobretudo na área da saúde e assistência social.

O total de transferências de cartões SUS foi de 2.578 entre janeiro e dezembro de 2024. Só de maio a dezembro, foram realizadas 1.625 transferências. Os 8 meses finais do ano representaram 70,5% do total.

Outro indicativo é a falta de vagas em creches e escolas com turno integral. Neste ano, quando assumiu nova gestão no Governo Municipal, havia um deficit de 500 vagas em escolas. Mesmo com os esforços para sanar o problema, a Secretaria de Educação ainda lida com o desafio de conseguir mais de 200 vagas.

Por outro lado, o número de beneficiários do Bolsa Família caiu. Conforme dados da Secretaria de Assistência Social, de abril a junho, o uso do programa federal em Teutônia saiu de 690 pessoas para 616 – uma queda de 10,72% nos últimos 3 meses.

O cenário revela um paradoxo social que intriga especialistas e gestores públicos: a diminuição de um dos principais indicadores de vulnerabilidade social em um contexto de aumento de procura por serviços básicos.

Este fenômeno pode ser explicado pela atualização no Cadastro Único, com famílias que deixaram de se cadastrar após a migração e pelo próprio formato: mãe solo, aposentados que moram sozinhos, acima da linha da pobreza mas com vulnerabilidade social.

É o caso do aposentado José Álvaro Gomes, 70. Após a infância em Bom Retiro do Sul, casou e veio morar em Teutônia, próximo ao Loteamento 8. Teve duas filhas, separou e foi morar com a mãe aos 30 anos. Hoje, reside sozinho em um casebre humilde que ele mesmo construiu. Ele não recebe o Bolsa Família. “Tem que controlar o que recebo para pagar remédios, comida. Mas aqui eu tenho um porquinho e carne não preciso comprar”, conta.

Outros fatores explicam o baixo número de adeptos do programa federal, como a informalidade e abertura de novas empresas, principalmente microempreendedores individuais. De maio de 2024 a maio de 2025 foram registradas 890 novas empresas em Teutônia. Destas, a maioria (698) são MEI.

A maior parte foi registrada de maio a dezembro de 2024, após os eventos climáticos que assolaram a região, com 521 novos CNPJs, enquanto o total de novas empresas de janeiro a maio de 2025 foi de 369 – uma diferença de 29,17%.

No Vale do Taquari existem 22.934 MEIs registradas segundo o Sebrae, com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

O mercado de trabalho aquecido aponta outra causa possível da redução do uso do Bolsa Família. Somente em maio deste ano, o Sine Teutônia registrou 500 novas vagas, apontando escassez de mão de obra. O setor industrial foi o que mais gerou empregos, com um saldo positivo de 183 vagas.


O aposentado José Álvaro Gomes, 70, mora sozinho em um casebre construído por ele mesmo e não recebe o Bolsa Família / Crédito: Anderson Lopes

Migrações pós-catástrofe mudam dinâmica social

Para o doutor em Estudos Estratégicos Internacionais e Governança Migratória, Matheus Felten Fröhlich, a dinâmica da população do Vale do Taquari apresenta mudanças. Os eventos extremos – especialmente as enchentes que ocorreram entre 2023 e 2025 – provocaram uma série de movimentações populacionais. “Essas migrações estão diretamente ligadas à necessidade de adaptação das pessoas e das cidades diante de um cenário de mudanças climáticas cada vez mais intensas e frequentes”, aponta.

De forma geral, a migração tem muito a ver com a busca por esperança e por melhores condições de vida. No caso do Vale do Taquari, segundo Fröhlich, as cidades com maior vulnerabilidade a alagamentos vêm registrando deslocamentos internos de moradores para municípios menos afetados.

“Ainda que Teutônia tenha uma forte presença rural e um histórico migratório ligado a outras regiões do Brasil, atualmente o que se observa é uma reorganização populacional em função das catástrofes climáticas. Cidades como Santa Clara do Sul, Colinas e até mesmo partes de Lajeado têm recebido novos moradores vindos de áreas mais atingidas pelas enchentes”, comenta o doutor.

O professor afirma que a percepção se baseia em dados do Censo de 2022 e em observações mais recentes, mas ainda faltam levantamentos específicos e detalhados para compreender plenamente o impacto dessas migrações induzidas por eventos climáticos extremos.


Matheus Felten Fröhlich é doutor em Estudos Estratégicos Internacionais e Governança Migratória / Crédito: Arquivo pessoal

Desafios para a ocupação de espaço

De acordo com o engenheiro civil e assessor da Secretaria de Planejamento de Teutônia, Alexandre Etgeton, foi possível notar um aumento da população por meio de vários serviços básicos. “Fizemos comparativos com o aumento de ligação de água, energia e cartões do SUS, este último com números mais expressivos”, cita.

No ramo imobiliário não foi diferente. Ocupações irregulares em algumas regiões com histórico de alagamentos expõem outra face do problema: o deficit de habitação popular segura. Em localidades como o Travessão, à beira do Arroio Estrela, e a Várzea, entre os bairros Teutônia e Languiru, não há sequer possibilidade de regularização fundiária.

A falta de imóveis com aluguel acessível, somada à especulação imobiliária em áreas mais valorizadas, empurra os mais pobres para zonas periféricas e vulneráveis, agravando os riscos em futuros eventos climáticos.

Segundo Etgeton, há um número considerável de imóveis vazios e terrenos com a possibilidade de fazer novas moradias, mas é preciso alguns processos burocráticos. O município está inscrito no programa do governo federal no qual o entra com o terreno e a União, por sua vez, com a construção das casas. “Notamos esta crescente de população, mas todos esses projetos são para atender a demanda gerada na cidade, não prevendo o que vem de fora”, argumenta o engenheiro.

Possíveis mudanças no Plano Diretor

O programa federal Minha Casa, Minha Vida – Reconstrução visa ofertar moradia às famílias que perderam seus lares nas cheias. A iniciativa, coordenada pelo Ministério das Cidades e operacionalizada pela Caixa, busca repassar imóveis prontos ou em construção para famílias afetadas.

No entanto, não houve nenhum encaminhamento de compra do município, que chegou a receber beneficiados. Algumas famílias entraram no programa por outros municípios e compraram o imóvel em Teutônia.

O Bairro Canabarro e algumas localidades como Loteamento 8 e Travessão apresentaram emergências mais sensíveis, associadas ao acolhimento informal de famílias. O aumento da demanda por aluguel de casas ampliou o valor das mesmas, incorrendo na procura por moradias em áreas de risco ou construções irregulares.

Neste sentido, o próximo desafio do município será a mudança das diretrizes e instrumentos para o desenvolvimento urbano da cidade, com a alteração do Plano Diretor. Por isso, será preciso delimitar algumas regiões. “Temos mapeado alguns locais com movimentação de massas (solo), em encostas de morros, pois são locais nos quais não conseguimos prever o que acontecerá, ao contrário das cheias”, acrescenta.

O município já identificou e o mapeou as áreas de risco, tanto de alagamento quanto de movimentação de massas, as quais estão inclusas no Plano de Contingência da Defesa Civil de Teutônia. Quando houver o estudo de reformulação do Plano de Diretor, é possível que haja a inclusão dessas informações.

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