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Projeto leva irreverência e arte do dadaísmo a 10 cidades gaúchas

Imersão profunda no dadaísmo qualificou atores para espetáculo que deve percorrer dez cidades nos vales do Caí, Taquari e Rio Pardo / Crédito: Divulgação

Imagine Dom Quixote, uma formiga falante, um patrão gaúcho, o Negrinho do Pastoreio e personagens da Paixão de Cristo todos em cena juntos, em uma trama caótica e irreverente. Essa é a aposta do projeto ‘Viva Dadá’, que vai percorrer 10 cidades gaúchas para reviver o espírito anárquico do movimento dadaísta.

O cenário propositalmente fragmentado, com projeções de colagens e objetos do cotidiano ressignificados, cria o universo caótico dadá. Os atores, com figurinos que mesclam épocas e estilos, se utilizam da técnica da biomecânica para movimentos precisos e quase robóticos, contrastando com a liberdade do improviso.

O projeto Viva Dadá, realizado com recursos da lei complementar nº 195/2022 e apresentado pelo Ministério da Cultura e Secretaria da Cultura do Estado (Sedac), foi contemplado pela Lei Paulo Gustavo Estadual.

Dadaísmo é um movimento artístico que nasceu como contestação à rigidez cultural e política da Europa no início do século 20 – e vai ganhar nova vida em palcos gaúchos.

Conforme o idealizador, ator, sociólogo, dramaturgo e fundador do Teatro Social, Antônio Lopes, o espetáculo foi trabalhado com o orientador cênico, mestre e doutorando em Artes Cênicas, Marcelo Bulgarelli. A direção-geral é do psicólogo e ator Tony Filho. O projeto busca difundir a irreverência do dadaísmo por meio de espetáculos adultos, oficinas de teatro para crianças e professores, além de ações formativas.

Os 10 municípios receberão também a apresentação “Piano Aurora – Notas Para Mentes Singulares”, um recorte cultural e de arte com o pianista Francisco Lopes. Ele é o autor da trilha sonora da peça, que será executada ao vivo no espetáculo. Será um momento de sensibilização e contemplação da música clássica, que dialoga com a causa autista, promovendo inclusão e a valorização da vida humana.

O “Viva Dadá” é continuidade dos projetos Palco Mambembe e Palco Mambembe Módulo 2, também promovidos pelo Teatro Social, atendendo comunidades menos favorecidas com arte de alta qualidade. A escolha pelos mesmos municípios se deu pela intenção de consolidar a formação de público, fortalecer a cultura local e ampliar o contato das comunidades com linguagens teatrais não convencionais.

“Queremos potencializar a formação de plateia, mas também, ampliar os horizontes de professores, estudantes e espectadores em relação à liberdade criativa que o dadaísmo inspira”, explica Antônio Lopes.

O recorte escolhido foca nas performances dadaístas entre 1918 e 1922, período em que o movimento se consolidou como resposta política, estética e social às guerras mundiais e às imposições culturais.

Espetáculo é resultado de uma colagem de várias peças teatrais, trazendo personagens muito diferentes ao mesmo roteiro para resolver um impasse / Crédito: Divulgação

Do estudo à cena

A preparação do espetáculo começou em outubro de 2023, em Porto Alegre, durante uma imersão artística no Grupo de Estudo em Educação da Capital (Gempa). Durante cinco fins de semana, artistas e educadores mergulharam em práticas de bioarte e biomecânica, inspiradas no encenador russo Vsevolod Meyerhold, pioneiro em colocar corpo e gesto como elementos centrais da cena.

A parceria com Marcelo Bulgarelli, que há anos atua na Europa, na Itália e, atualmente, desenvolve doutorado em Artes Cênicas na UFRGS, deu ao projeto um caráter internacional e acadêmico. “Essa imersão possibilitou cruzar o rigor técnico da biomecânica com a irreverência do dadaísmo, algo que só fortalece a criação de uma obra única”, afirma Bulgarelli.

“O trabalho com a biomecânica nos permitiu pensar o corpo como engrenagem criativa. Foi uma experiência decisiva para ressignificar o movimento dadá em cena”, comenta o diretor do espetáculo, Tony Filho.

Um espetáculo irreverente

Batizado de “Viva Dadá – Corta & Cola: A Montagem”, o espetáculo é uma livre adaptação de quatro obras do repertório do Teatro Social: A Paixão de Cristo, Dom Quixote, A Formiga Fofoqueira e O Negrinho do Pastoreio. Personagens desses universos se cruzam em uma trama cômica e inesperada, marcada pelo humor ácido e pelo improviso característico do dadaísmo.

A narrativa gira em torno de uma produtora que tenta montar um Auto da Paixão, mas se depara com candidatos improváveis: Dom Quixote, uma formiga falante, um gaúcho perdido e outros tipos inusitados. “É uma montagem adulta, mas carregada de ironia e poesia, onde o riso é também uma forma de reflexão”, explica Antônio Lopes.

Oficinas para escolas e comunidades

Além das apresentações, cada município recebe oficinas de teatro voltadas a crianças e professores, baseadas na liberdade criativa dadaísta. Em uma das dinâmicas, as crianças recebem um objeto comum, como uma vassoura, e são desafiadas a dar a ele um novo significado em cena – pode virar um cavalo, um microfone ou um personagem abstrato.

O objetivo é quebrar a lógica convencional e estimular a criação coletiva, incentivar educadores a utilizarem a ressignificação de objetos e a livre interpretação como ferramentas pedagógicas.

“Trabalhamos contra a rigidez, defendendo que até um objeto banal pode ganhar novos sentidos. Essa prática é valiosa na educação, porque ensina crianças e jovens a pensar de maneira crítica e criativa”, complementa Lopes.

A circulação do “Viva Dadá” contempla cidades estratégicas do Vale do Taquari, Caí e Rio Pardo. A estreia acontece em 26 de setembro em São Sebastião do Caí, e segue com apresentações e oficinas em Santa Cruz do Sul, Montenegro, Rio Pardo, Estrela, Lajeado, Bom Retiro do Sul, Encantado, Venâncio Aires e, por fim, Teutônia.

A programação mescla sessões em escolas e espetáculos noturnos abertos ao público. A entrada para todos os espetáculos é gratuita, bem como as oficinas, que serão realizadas para crianças e professores. A participação dos alunos e professores é organizada pelas secretarias de Educação dos municípios contemplados.

Um dos pontos altos será o encerramento em 12 de novembro, com apresentação no Teatro da Comunidade Evangélica de Languiru, em Teutônia, quando haverá transmissão ao vivo.

Cultura, resistência e futuro

Mais do que um espetáculo, o “Viva Dadá” reafirma a importância da Lei Paulo Gustavo na manutenção da produção cultural após o período crítico da pandemia e das enchentes que afetaram o estado.

“Projetos como este só existem graças ao incentivo público. Cultura não é luxo, é resistência e necessidade. O dado histórico que trazemos do dadaísmo mostra que a arte sempre foi resposta às crises. E hoje, no Rio Grande do Sul, não poderia ser diferente”, enfatiza Tony Filho.

O projeto “Viva Dadá” é, antes de tudo, um convite ao riso, à crítica e à liberdade criativa. Nas palavras de Antônio Lopes, “o dadaísmo nasceu para questionar o mundo em crise. Ao trazê-lo para os palcos gaúchos, reafirmamos que a arte segue sendo um espaço de resistência, diálogo e imaginação.”

Agenda de apresentações:

23/9 (Bom Retiro do Sul) – 14h: oficina para crianças / 15h30: oficina para professores

24/9 (Lajeado) – 15h: lançamento oficial do projeto

26/9 (São Sebastião do Caí) – 20h: estreia do espetáculo

5/10 (Santa Cruz do Sul) – 17h: espetáculo

8/10 (Montenegro) – 15h: oficina para crianças / 17h: oficina para professores

9/10 (Rio Pardo) – oficina para crianças

11/10 (Montenegro) – 10h: espetáculo

15/10 (Rio Pardo) – 20h: espetáculo

20/10 (Estrela) – oficinas à tarde / espetáculo às 20h

21/10 (Lajeado) – 20h: espetáculo

24/10 (Bom Retiro do Sul) – 20h: espetáculo

28/10 (Encantado) – 20h: espetáculo

31/10 (Venâncio Aires) – 20h: espetáculo

12/11 (Teutônia) – 20h: espetáculo de encerramento com transmissão ao vivo

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