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Ao lado do apito: Fabrício Neves Correa e as três décadas dedicadas à arbitragem

Ao longo da carreira, ficou conhecido pela maestria na condução das partidas - Crédito: Arquivo Pessoal / Divulgação

O nome de Fabrício Neves Correa está atrelado com a história recente da arbitragem gaúcha e brasileira. Prestes a completar 30 anos de atuação dentro dos gramados, ele coleciona experiências em jogos decisivos, polêmicas que marcam o ofício e, acima de tudo, uma postura de diálogo que o transformou em referência dentro e fora de campo.

A trajetória começou de forma quase casual, ainda nos tempos de estudante do Centro Universitário Metodista – IPA, em Porto Alegre. Estagiário do time de futebol do colégio, ele foi chamado para “quebrar o galho” na falta de um árbitro.

A partir desse momento, o que parecia improviso virou profissão. Vieram os jogos de base, as divisões menores, até chegar à elite nacional. Em paralelo, Fabrício construiu carreira sólida como professor de Educação Física e se dividiu entre a sala de aula e o apito.

“Mentiram para mim lá no início, quando falaram que eu levava jeito e tinha comando. E aí a coisa só cresceu. Federação, segunda divisão, primeira, até chegar em jogos gigantescos. Hoje, olho pra trás e vejo que foram quase três décadas dedicadas intensamente ao futebol”, lembra.

Entre apitos, cartões e discussões, Fabrício construiu uma carreira marcada pela dedicação e pelo compromisso com o futebol. Segue com as aulas, participa ativamente da vida esportiva regional e mantém o mesmo amor que o levou a campo pela primeira vez.

“Minha paixão sempre foi pelo futebol, mais do que por qualquer clube. Nesses quase 30 anos, ainda acredito que a arbitragem, apesar das críticas, é essencial para manter o jogo vivo e justo. O que importa é colaborar, cada um no seu papel”, aponta.

Mesmo apaixonado pelo futebol, Correa ressalta que gosta de aproveitar as folgas, quando não há rodadas dos campeonatos. “Às vezes, é importante, necessário até mesmo para darmos uma revigorada”, acrescenta.

Árbitro de vídeo

Com autoridade de quem atravessou a transição entre campo e cabine, Fabrício fala com franqueza sobre o árbitro de vídeo. Para ele, o recurso ainda não atingiu o objetivo principal, que é reduzir os erros, principalmente nas competições organizadas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

“O VAR veio para diminuir a chance de errar, mas aqui no Brasil acontece o contrário. A conversa entre cabine e campo é tensa, pouco colaborativa. A CBF gosta de falar em 97% de acerto, mas os 3% que restam são catástrofes, verdadeiros desastres”, afirma.

O ex-árbitro do quadro da Fifa vê com preocupação a ausência de brasileiros como representantes do VAR em competições internacionais. “Não temos árbitros de vídeo em mundiais, em nenhuma categoria. Isso mostra o quão atrasados estamos e como ainda há falhas graves na formação e no aproveitamento dos profissionais”, analisa.

Ele ressalta que as mudanças e inovações exigem muito preparo e tempo. “Quando começamos a usar aparelhos de comunicação, eles eram semelhantes aos ‘rádios de bailão’. Parecia que tinha 1 quilo no ombro. Para completar, trabalhei com assistentes muito participativos que, às vezes, atrapalhavam enquanto falavam. Então precisava orientar e ‘narrar o jogo’ enquanto apitava”, comenta.

VAR no amador?

Recentemente, algumas competições regionais começaram a cogitar a utilização do VAR em jogos amadores. A ideia foi estudada e quase entrou em prática no Regional Certel Sicredi 2025. Fabrício não descarta a viabilidade, mas defende que, caso seja implementado, seja feito com árbitros certificados e preparados.

“Seria interessante. É uma opção viável, porém, precisamos usar profissionais já chancelados pela Federação Gaúcha de Futebol. Isso daria mais segurança para a competição. Mas, pessoalmente, confesso que gosto do futebol sem tanto aparato, prefiro o barro, o frio e a tensão natural do jogo. Essa essência é parte do que torna o futebol amador tão especial e diferente”, destaca.

A defesa pelas “raízes” do amador não é por acaso. O árbitro acompanha de perto o que acontece nos campeonatos municipais pelo Vale, no Regional da Aslivata, na Região Metropolitana, no Serramar e em demais campeonatos do interior. Para ele, o futebol de “várzea” é um patrimônio cultural.

“As pessoas não têm ideia da força que o amador tem. Ele movimenta comunidades inteiras, aproxima famílias e mantém viva a essência do jogo. Todo mundo colabora, seja dirigente, jogador, imprensa. Esse espírito precisa ser valorizado”, reforça.

Um árbitro “peão”

A forma como Fabrício se define e brinca traduz bem sua visão de vida e personalidade: “um árbitro peão, de luva e macacão”. Sem vaidade, encara erros e acertos como parte natural do jogo, sempre com disposição para colaborar, sem “inflar” o ego ou ser a “estrela principal”.

“Quando o apito final soa, acabou. As brigas, entregas, jogadas e discussões ficam todas no campo. Arbitragem é isso, colaborar para que o espetáculo aconteça, seja em uma decisão de campeonato nacional ou em um jogo de várzea. Se cada um colaborar, o ‘bolo’ fica gostoso e todo mundo vai querer um pedaço”, resume.

Às vésperas de completar três décadas de arbitragem, Fabrício Neves Corrêa continua uma voz ativa e respeitada em debates sobre o futuro do apito no Brasil. Um profissional que não se limita a olhar para o topo, mas que valoriza o chão batido dos campos amadores, onde o futebol pulsa com mais autenticidade.

Assista à entrevista completa:

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