Informalidade e desinteresse desafiam a construção civil no Vale do Taquari

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Obras iniciam, mas com equipes cada vez mais enxutas - Crédito: Ariana de Oliveira

O crescimento econômico e a diversificação das empresas no Vale do Taquari revelam um paradoxo preocupante: milhares de postos de trabalho seguem abertos por falta de trabalhadores formais e qualificados. Estima-se que cerca de 6 mil vagas estejam disponíveis na região, com destaque para os setores da construção civil, móveis, mármores, cerâmicas e afins, segundo Vilson Luiz Luft, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil, Mobiliário e Similares de Lajeado e Vale do Taquari.

Esse descompasso entre oferta e demanda de mão de obra formal tem gerado preocupação e mobilizado esforços conjuntos entre empresas e sindicatos. A situação se agrava diante da dificuldade em encontrar trabalhadores com experiência, qualificação técnica e disposição para atuar com carteira assinada.

Informalidade e novos perfis

A informalidade tem reconfigurado as relações de trabalho. Em Lajeado, por exemplo, há mais de 9,3 mil Microempreendedores Individuais (MEIs) registrados – muitos atuando na construção civil. Embora o regime seja legal, ele modifica o vínculo com as empresas, dificultando a formação de equipes fixas, a capacitação interna e a continuidade dos projetos.

André Damiani, vice-presidente do Sinduscon Vale do Taquari, defende a valorização da carteira assinada, por garantir benefícios como FGTS, INSS, aposentadoria e segurança jurídica. “Estamos trabalhando para que as pessoas entendam a importância disso. A formalização garante dignidade e segurança para o futuro”, afirma.

Damiani observa que muitos trabalhadores, especialmente jovens, optam por rotinas flexíveis, influenciados por discursos de liberdade. “Há uma ‘glamourização’ de formas alternativas de trabalho que, na prática, não sustentam o dia a dia produtivo. E isso, com o tempo, cobra um preço alto”, analisa.

Comércio aquecido, mas vagas abertas

Mesmo com o fim dos auxílios emergenciais das enchentes de 2024, a dificuldade de preencher postos de trabalho permanece. Em Teutônia, a analista técnica do Sine, Cláudia Guterres, relata que o comércio e os serviços estão aquecidos, com mercados movimentados e ruas cheias, mas as vagas com carteira assinada continuam sem candidatos – especialmente na construção civil.

Ela levanta um ponto: será que a formalidade perdeu o apelo? “Talvez as pessoas não estejam desempregadas, mas, sim, optando pela informalidade. Isso é algo que precisaríamos confrontar com o comércio, mas o movimento nas ruas e nos mercados mostra que a renda está circulando”, observa.

Reforma trabalhista

Desde a reforma trabalhista de 2017, contratos intermitentes e terceirizações se tornaram mais comuns. Para Damiani, essa flexibilização ocorreu sem o suporte necessário, como a oferta de capacitação profissional. “Não adianta mudar a lei e não oferecer ferramentas para qualificar. Estamos perdendo a cultura de formar nossos próprios trabalhadores”, alerta.

Luft complementa que a falta de investimentos técnicos e a crença de que o trabalhador formal é mais caro também contribuem para o problema. “É um equívoco. A formalização traz retorno para todos: empresa, trabalhador e sociedade”, reforça.

Diálogo entre sindicatos

Apesar de representarem lados tradicionalmente opostos, Luft e Damiani têm construído uma nova abordagem conjunta, baseada no diálogo. “Empresa sem trabalhador não existe, assim como trabalhador sem empresa também não”, afirma Luft. A ideia é avançar em convenções coletivas com regras claras, estímulo à formalização e qualificação contínua.

Falta de renovação

Para o diretor de produção da Construtora Zagonel e presidente da Acil de Lajeado, Joni Zagonel, a falta de mão de obra qualificada na construção civil não se limita aos canteiros de obras. “Ela afeta também fornecedores e indústrias que compõem a cadeia produtiva, gerando atrasos e dificultando o planejamento”, cita. Ele aponta um dado alarmante: a média de idade dos trabalhadores subiu para 42 anos, crescendo cerca de 1 ano a cada ano.

Outro fator crítico, segundo ele, é o peso da informalidade. “Empresas que atuam dentro da legalidade, recolhem impostos e oferecem direitos acabam operando com custos muito mais altos que o mercado informal. Muitos trabalhadores, em busca de maior remuneração líquida, preferem atuar sem vínculo formal, abrindo mão de garantias como aposentadoria, INSS e FGTS. Esse desequilíbrio pressiona empresas e enfraquece a estrutura do trabalho formal”, aponta.

Zagonel observa que o setor precisa correr atrás do tempo perdido. “A construção civil foi um dos segmentos industriais que menos evoluiu nas últimas décadas, enquanto outras áreas modernizaram processos. Agora, as empresas correm para reverter esse atraso”, diz.

Ele também destaca outra estratégia adotada pelas empresas: “Estamos oferecendo salários mais competitivos, mesmo sem necessariamente haver ganho proporcional de produtividade – o que representa um desafio extra para manter a viabilidade financeira dos negócios”, pontua.

Realidade nos canteiros de obra

Marcelo da Silva, que está à frente da MS Acabamentos, com mais de 20 anos de experiência na construção civil em Teutônia, relata uma mudança expressiva. “A mão de obra envelheceu. Hoje, em uma equipe de 20 trabalhadores, apenas dois têm menos de 30 anos”, relata. Mesmo com salários iniciais acima de R$ 3 mil, carteira assinada e benefícios, as construtoras enfrentam dificuldades para atrair novos profissionais.

“Temos melhores condições do que há duas décadas, com mais segurança e mecanização. Ainda assim, os jovens não querem entrar”, diz. Em sua empresa, ele afirma que há espaço para contratar ao menos 10 pessoas imediatamente, mesmo sem experiência. “Temos obras garantidas para os próximos 5 ou 6 anos. E a cidade continua crescendo. A construção está aquecida e interligada com setores como o metalúrgico e o de acabamentos, que também precisam de trabalhadores”, argumenta.

Para ele, ações voltadas à qualificação e valorização da profissão são fundamentais. “Os profissionais mais antigos têm disposição para ensinar, mas é preciso que haja quem queira aprender”, reforça.

Caminhos possíveis

Os especialistas são unânimes: é preciso revalorizar o trabalho formal e reconstruir uma cultura de dignidade profissional. Isso inclui campanhas educativas, cursos técnicos, diálogo entre sindicatos e trabalhadores, além de políticas públicas que incentivem a formação e o emprego com direitos garantidos.

A crise de mão de obra no Vale do Taquari é resultado de uma junção de fatores econômicos, legais e socioculturais. Superá-la exige cooperação, inovação e compromisso com um mercado mais justo e sustentável, onde o crescimento das empresas esteja alinhado à valorização do trabalhador.

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