Maio Laranja: escutar as crianças é o primeiro passo para protegê-las

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Crédito: Pexels

Em meio às estatísticas que chocam e aos relatos que doem, o Maio Laranja chega para lembrar: proteger a infância é uma responsabilidade coletiva. Em Teutônia, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) tem sido uma das principais frentes na identificação, acolhimento e enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. A psicóloga e coordenadora do serviço, Adreana Weber, destaca que o abuso, na maioria dos casos, acontece dentro de casa e, muitas vezes, pelas mãos de quem deveria proteger.

“Na cabeça de uma criança, o agressor pode ser alguém que ela ama, confia e convive todos os dias. Então, se esse adulto oferece carinho, um toque, um abraço, ela pode entender aquilo como uma demonstração de afeto, não como uma violação”, explica Adreana. Essa confusão entre afeto e abuso torna ainda mais difícil que a criança compreenda o que está vivendo, e, consequentemente, que peça ajuda.

Por isso, ela ressalta: “Se a criança não quer sentar no colo, não quer dar um beijo ou um abraço, é porque aquilo a incomoda. Não podemos forçar essas situações”. O respeito aos sinais e limites da criança é um caminho essencial para romper com a cultura que naturaliza toques invasivos, muitas vezes disfarçados de afeto.

Dados alarmantes e silêncios prolongados

O Rio Grande do Sul registrou, em 2024, mais de 3.800 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Desses, 2.857 foram classificados como estupro de vulnerável. Outro dado impactante é que 45% dessas vítimas sofreram mais de uma violação, o que revela a reincidência e a permanência da violência ao longo dos anos.

“Esses números precisam nos chocar”, afirma Adreana. “Mas também nos mostram que mais famílias estão denunciando, estão quebrando o silêncio.” O crescimento das denúncias, embora assustador, também indica um avanço: o medo está sendo substituído, aos poucos, pela coragem de proteger.

Ainda assim, o silêncio persiste. Muitas crianças demoram anos até conseguirem relatar o que viveram. Sofrem ameaças, são manipuladas com presentes ou afeto, e nem sempre entendem que o que está acontecendo é errado. Quando finalmente conseguem falar, o trauma já se enraizou.

O papel da sociedade: suspeitar é suficiente

“Se há uma suspeita, é preciso agir. Não esperar uma confirmação, porque ela pode nunca vir da própria criança”, alerta Adreana. A denúncia pode ser feita de forma anônima pelo Disque 100, ou comunicada diretamente ao Conselho Tutelar, à escola ou ao próprio CREAS. “Não é preciso ter certeza. Basta desconfiar.”

O CREAS de Teutônia recebe comunicações de diferentes setores — escolas, unidades de saúde, conselhos tutelares e comunidade. A equipe, composta por psicólogos e assistentes sociais, realiza um trabalho de fortalecimento familiar, com escuta qualificada e apoio emocional. O foco é proteger a vítima e romper com o ciclo de violência.

“O nosso trabalho não é investigar, mas validar o que a criança ou adolescente traz. E é muito raro que uma criança invente algo assim. Partimos sempre do princípio de que ela está falando a verdade”, afirma Adreana.

Prevenção começa com informação

A psicóloga enfatiza a importância de conversar com as crianças sobre seus corpos e seus direitos, sempre de forma adequada à idade. “Não se trata de causar medo, mas de explicar que se alguém fizer um toque que cause desconforto, ela deve contar a um adulto de confiança.”

Ainda é comum que os adultos ensinem as crianças a temer estranhos na rua, mas se esqueçam de que, em muitos casos, o “bicho-papão” mora dentro de casa. “A grande perversidade desses crimes é que eles vêm de alguém que deveria oferecer amor, e não dor”, lamenta.

Adreana reforça que os comportamentos da criança são os principais indicadores de que algo pode estar errado: mudanças repentinas de humor, isolamento, medo excessivo, agressividade ou comportamentos sexualizados fora de sua faixa etária são sinais de alerta.

Denunciar é um ato de proteção

A orientação é clara: diante da dúvida, denuncie. O Disque 100 é uma ligação gratuita e anônima que aciona automaticamente os serviços de proteção. “Se você se omite, está sendo conivente. A proteção é responsabilidade de todos”, conclui Adreana.

Confira a entrevista na íntegra:

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