
O som do martelo batendo no ferro em brasa, o cheiro da fumaça e o calor da forja reacenderam memórias antigas no ator Antônio Lopes (66) ao interpretar o ferreiro Henrique no filme Aba Larga, uma produção gaúcha que revisita o surgimento da cavalaria montada da Brigada Militar nos anos 1950. Lopes viveu um retorno emocional à própria infância. “Lembrei do seu João Becker, o ferreiro do meu bairro, e de quando eu levava o café da manhã para ele. Aquilo me transportou para outro tempo”, conta, emocionado.
Com 50 anos de carreira, o teutoniense é reconhecido no teatro e no cinema do Sul por sua entrega e sensibilidade. Em Aba Larga, ele interpreta um homem simples, justo e ético, cuja breve aparição é decisiva para a narrativa. O ferreiro é o personagem que desencadeia a revelação central da trama, um ponto de virada que conecta os protagonistas e simboliza a luta pela verdade num tempo de incertezas.
“Vi no ferreiro Henrique um arquétipo humano, justo, ético e fiel à verdade, mesmo quando ela o fere. Ele é vítima da própria honestidade, mas ensina que é pela verdade que a humanidade avança. Ele me ensinou que ser simples é ser grandioso. No fogo da forja, vi o símbolo da sociedade, pois uns moldam, outros ferem. Mas é o calor da verdade que transforma o ferro em instrumento de paz”, cita ele.
Ao olhar para trás, Antônio Lopes vê no ferreiro Henrique um espelho da própria jornada. “Assim como ele, vivi períodos de frustração e afastamento, mas sigo acreditando na força da arte e na dignidade do ofício”, reflete. Para o ator, a arte é resistência: “A honestidade pode custar caro, mas é o que nos mantém humanos. O cinema eterniza gestos que o tempo tentaria apagar”.
Sua transição entre as linguagens do teatro e do cinema é marcada por delicadeza e reflexão. “O teatro é o meu berço, lá a emoção é projetada. Já o cinema pede silêncio, sutileza e precisão. Um olhar pode conter o mundo inteiro”, define.
A atuação de Antônio conquistou a equipe e o elenco. O diretor Emiliano Ruschel destaca que a entrega do ator foi tão intensa que, durante as filmagens, “ele deixou de ser ator e virou o próprio ferreiro. A cena foi crescendo no ensaio e todos sentiram que havia algo verdadeiro ali. No set, o silêncio era absoluto. Quando ele terminou, o pessoal comentou que não parecia atuação, parecia vida”, relembra Ruschel.
A sequência, uma das mais emocionantes do filme, exigiu efeitos especiais e um disparo cenográfico, marcando o ponto de inflexão da narrativa.
Nos bastidores, Lopes se impressionou com a estrutura da produção. Equipamentos modernos, equipes multidisciplinares e um ambiente de respeito e acolhimento. “Sou vegetariano, e até isso foi considerado. Senti cuidado humano em todos os detalhes. Depois de décadas cuidando de elencos e técnicos no teatro, foi bonito ser cuidado dessa vez”, afirma.
Um western dos pampas
Dirigido por Emiliano Ruschel e produzido pela Agência Justing Casting, sob coordenação de Juliana Thomaz, o longa Aba Larga é descrito como um “faroeste gaúcho” inspirado nos clássicos westerns americanos, mas com alma e história sulinas. A trama se passa no interior do Rio Grande do Sul dos anos 1950, quando o abigeato (roubo de gado) assolava fazendas e ameaçava comunidades rurais.
Para conter a criminalidade, foi criado o esquadrão dos Abas Largas, assim chamados pelo formato de seus chapéus. O grupo era composto por policiais montados que percorriam campos e coxilhas, inspirado nas cavalarias canadense e americana, após estudos e treinamentos realizados por oficiais enviados ao exterior.
“O primeiro regimento foi formado em Santa Maria, epicentro dos crimes, e logo se tornou símbolo de bravura. Esses homens viraram heróis rurais, protegendo quem vivia isolado pela distância e pela falta de acesso da Brigada Militar”, explica o diretor Emiliano Ruschel.
A produtora Juliana Thomaz, que assina a direção de elenco e coleciona prêmios pela Lei Paulo Gustavo, descreve Aba Larga como uma superprodução independente. “É um épico gaúcho, com ação, emoção e relevância histórica. Nosso objetivo é resgatar o orgulho e a memória dos brigadianos que defenderam o campo com coragem”, afirma.
A Brigada Militar foi parceira direta do projeto, cedendo armamentos cenográficos, locações e cavalos da raça Brasileiro de Hipismo, os mesmos usados nas formações de cavalaria. “O apoio deles foi essencial. O filme é, acima de tudo, uma homenagem à Brigada e ao povo do interior”, diz Juliana.
O renascimento do cinema no Sul
O setor audiovisual gaúcho passou por um período desafiador. A pandemia, seguida pela enchente de 2024, devastou estúdios e locações, isolou profissionais e paralisou o aeroporto de Porto Alegre por mais de um ano. “Muitos migraram para Santa Catarina. O mercado se desestruturou. Mas Aba Larga simboliza esse recomeço. O Sul vive um momento de retomada e queremos que o audiovisual volte a pulsar depois de tantas crises”, afirma Juliana.
A aposta em produções de impacto histórico e cultural, segundo ela, é uma forma de reconstruir a autoestima regional. “O público quer se ver na tela, quer reconhecer a própria terra e os próprios heróis. Esse filme entrega isso, o Rio Grande do Sul em toda a sua bravura e contradição”, relata.
As gravações de Aba Larga encerram em outubro de 2025, e a estreia está prevista para dezembro de 2026, com pré-estreias em Santa Maria e Porto Alegre, seguidas de um circuito por todo o estado. A equipe planeja levar o filme às cidades onde ocorreram as filmagens, aproximando o público da história que inspira o roteiro.