Amigos do Sapato de Pau apresentam livro com gramática em Westfália

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do Livro Gramática da Língua Westfaliana Brasileira / Crédito: Lucas Leandro Brune

O livro “Gramática da Língua Westfaliana Brasileira” foi lançado na noite de quinta-feira (26/5) para valorizar as raízes da cultura local. O salão social do Esporte Clube Juventude de Linha Berlim estava lotado para acompanhar a programação. O professor aposentado, escritor, pesquisador e coordenador do Grupo Amigos do Sapato de Pau, Lucildo Ahlert, é o autor da obra.

O livro terá 334 páginas com regras da escrita e expressões do cotidiano dos westfalianos. Para criar a base foram utilizadas regras das gramáticas portuguesa, holandesa, alemã e inglesa. O conteúdo foi construído junto em reuniões periódicas, estudos, base acadêmica e a contribuições dos 19 integrantes voluntários do grupo. “Ninguém disse que era impossível, por isso se tornou possível”, afirma Ahlert.

O conteúdo está disponível em quatro línguas: plattdütsk, alemão, português e inglês. “O objetivo é deixar legado para as futuras gerações”, acrescenta. “O sapato de pau é algo que faz parte da minha vida. Está gravada nas profundezas do cérebro. São coisas que vivi quando criança. Ver isso materializado, podendo ser usado por futuras gerações, não tem explicação. É de uma alegria imensa”, destaca o escritor.

O livro é um esforço da comunidade para o dialeto não ser esquecido. “O alemão é ensinado nas escolas. A nossa preocupação é que o alemão tem regras atuais que o dialeto não tem. Nosso sapato de pau não sofreu as mutações do alemão. Não queremos substituir a língua nativa, mas agregar”, acentua.

A Gramática da Língua Westfaliana Brasileira é uma extensão do Dicionário da Língua Westfaliana Brasileira, finalizado em 2019. A ideia é que o dialeto possa ser ensinado nas escolas. “Secretarias Municipais de Educação receberão o livro. A comunidade também. Serão distribuídos 500 exemplares”, destaca Ahlert.

Apoio comunitário
O espírito associativo se fez presente para viabilizar a impressão dos primeiros exemplares. Pessoas físicas e jurídicas uniram recursos. O morador de Linha Berlim, Silvo Landmeier, classificou de “obra prima ao ver quantas palavras têm no livro. São horas e horas de dedicação, pesquisa e paciência para construir uma obra assim. Nosso profundo agradecimento”.
O prefaciador Wilson cumprimentou os Amigos do Sapato de Pau pela obra porque valoriza e instrumentaliza “a língua do coração, da família, com a qual crescemos. Saber essa língua abre possibilidade para aprender outras línguas – alemão, inglês, sueco, dinamarquês. É um conhecimento valiosíssimo para se inserir no mundo”.
O presidente da Academia Literária do Vale do Taquari (Alivat), Deolí Gräff, qualificou a noite como histórica. “São raros os autores de dicionário e mais raros os de gramática. O Lucildo faz com sabedoria e dedicação junto com os Amigos do Sapato de Pau. É algo precioso por uma etnia”, afirmou.

O integrante do grupo, Eldo Goldmeyer, lembrou de duas características atribuídas ao westfaliano (sapato de pau): teimosia e cabeçudo. “Obrigado Lucildo por ser cabeçudo. Graças a isso temos essas obras. Ser teimoso no sentido de determinação e vontade de realizar alguma coisa”.

Poder público
A secretária de Educação, Elisângela Schneider Wiethölter, lembrou do uso do sapato de pau pela mãe nas tarefas diárias e quando dançou com ele no grupo de danças. “Que maravilha olhar para a diversidade cultural. É importante valorizar a língua, pelo ímpeto de pertencimento. Como é bonito preservar essa história”, disse ao anunciar a nova remessa de dicionários impressos pela Prefeitura.
O presidente da Câmara de Vereadores, Valério da Fonseca, parabenizou pela iniciativa. “No que depender da Câmara, podem contar que estamos apoiando”, resumiu.
O prefeito Joacir Antônio Docena celebra a continuidade do projeto. “Estamos resgatando a herança cultural dos antepassados para as futuras gerações, deixando marcado para não perderem a cultura”, disse. Ele pediu para as pessoas não terem vergonha do sotaque – algo que diferencia – e para valorizarem as obras imateriais da cultura e tradição. Depois, Docena entregou uma cópia da nova remessa de dicionários.

Valorização cultural
A Língua Plattdüütsk – Westfaliana Brasileira ou Sapato de Pau – está presente nas famílias como primeira e principal na comunicação do cotidiano. Porém, há iniciativas legais. Em 16 de março de 2016, lei municipal reconhece como segunda língua oficial. Em setembro de 2019, o Grupo Amigos do Sapato de Pau lançaram o dicionário com 6 mil verbetes. A rádio comunitária da cidade – Líder – tem programa no idioma toda segunda-feira.

Até o Hino de Westfália foi traduzido para a língua, bem como outras canções. Em sala de aula, professores já fazem trabalhos experimentais para manter o legado. A estreita relação com holandês e inglês fez o Sapato de Pau passar “despercebido” durante a Segunda Guerra Mundial, quando o alemão foi proibido no Brasil.

Lucildo entregou um exemplar para os dois netos mais velhos

Outros modelos
Dois professores apresentaram trabalhos de resgate de outras línguas regionais. João Wianey Tonus apresentou o Talian (variação do italiano) ensinado nas escolas desde 2020, mas já existe uma preocupação desde 1989. Há trabalhos em Serafina Corrêa, Antônio Prado, Doutor Ricardo, Bento Gonçalves, Casca, Nova Pádua e Caxias do Sul.
Tonus cita como desafios: as políticas compensatórias pelos crimes contra as línguas, parar o atual processo de apagamento das línguas e a falta de política pública estadual sobre ensino das línguas. “Temos que planejar a sobrevivência das línguas. Deve-se falar a segunda língua porque é importante. Que os netos não levem a pecha de sepultar a língua dos nonos”, disse.
A professora Solange Maria Hamester Johann destacou o Projeto Hunsrik (variação do alemão) nas escolas. São 18 anos do trabalho com o “Unser Taytx”, uma língua existente há mais de 1.500 anos. O trabalho iniciou em 2004 para definir a forma de escrita, em 2007 houve Feira do Livro e desde 2011 o idioma está na sala de aula como disciplina. “A essência é trabalhar com e para as crianças que levarão por muitos anos adiante. Estamos falhando em repassar a cultura, porque estamos deixando outras coisas falar mais do que nós”, disse. E na França, já há aulas de Hunsrik Plat Taytx
há mais de 20 anos. “Nós estamos atrasados”, avisou, apesar dos trabalhos desenvolvidos em Nova Hartz e outras cidades.

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