
Após 1 ano e meio da maior enchente da história, um projeto desenvolvido pela Embrapa em parceria com o Ministério da Agricultura demonstra que é possível unir recuperação ambiental e produtividade rural. O Plano Recupera Rural RS busca restaurar solos, margens de rios e ecossistemas agrícolas danificados, devolvendo também dignidade e renda às famílias que vivem da terra.
O programa nasceu como resposta emergencial aos prejuízos provocados pelos desastres climáticos, mas evoluiu para um modelo de restauração ecológica produtiva, que pretende servir de referência nacional. A iniciativa integra a plataforma colaborativa Sul, que reúne sete unidades da Embrapa e diversas instituições parceiras. O foco é restaurar as condições produtivas de pequenas e médias propriedades atingidas, promovendo um equilíbrio entre conservação ambiental e segurança alimentar.
De acordo com o pesquisador da Embrapa, Ernestino Guarino, o plano atua em várias frentes, como recuperação do solo, monitoramento da qualidade da água, gestão hídrica, saúde do agricultor e recomposição da vegetação nativa. “A proposta é demonstrar que é viável restaurar as margens dos rios da região e, ao mesmo tempo, manter a produção agrícola nos primeiros anos”, explica.
O modelo adotado combina sistemas agroflorestais e uma tecnologia desenvolvida pela Embrapa chamada “quintal orgânico de frutas”, que integra o plantio de espécies agrícolas anuais, como milho, feijão, abóbora e melancia, com árvores frutíferas e nativas de longo ciclo. “Essa estratégia garante que o agricultor não precise abandonar a área em recuperação”, destaca Guarino.
As áreas recuperadas também oferecem novas possibilidades econômicas. Após alguns anos, quando as árvores atingem a maturidade, os agricultores podem explorar frutas, mel e outros produtos florestais, criando um sistema sustentável e de múltiplos usos.
De Estrela para a COP30
A propriedade de Fernando Mallmann, em Arroio do Ouro, interior de Estrela, tornou-se uma unidade de referência tecnológica do Recupera Rural RS. Após perder lavouras, animais e maquinários durante a enchente, o agricultor foi impactado principalmente pela morte das vacas de leite e aceitou o desafio de transformar a área atingida em um laboratório vivo de recuperação produtiva.
Em parceria com a Embrapa, Mallmann implantou um sistema agroflorestal às margens do rio, plantando espécies nativas e frutíferas como guabiroba, guabiju, palmito-jussara e uva, ao lado de cultivos agrícolas tradicionais. A experiência mostrou que é possível recompor a vegetação e manter a produção mesmo em áreas severamente degradadas.
O caso chamou atenção e foi selecionado para representar o Brasil nas gravações de abertura da COP30, conferência mundial do clima que inicia na próxima segunda-feira (10/11) e segue até o dia 21 em Belém (PA). A escolha não se deu apenas pela recuperação ambiental, mas pelo aspecto social e tecnológico da iniciativa. O agricultor, que antes dependia exclusivamente da produção leiteira, agora vê a propriedade renascer com novos propósitos.
A Embrapa pretende ampliar o número de áreas demonstrativas do Recupera Rural RS em 2026. A equipe busca novos financiamentos para implantar o modelo em mais propriedades, priorizando margens de rios e zonas de várzea do Vale do Taquari.
“O interesse dos agricultores é grande, especialmente porque percebem que não é preciso abrir mão da produção para recuperar o ambiente”, observa Guarino. Cada projeto é desenvolvido de forma participativa, levando em conta a opinião e a experiência do produtor. “As espécies, o desenho da área e as etapas de implantação são discutidos junto com a família. Isso garante o engajamento e o sucesso da restauração”, aponta o pesquisador.
Mostra pública em dezembro
No dia 2 de dezembro, a comunidade de Arroio do Ouro sediará um encontro regional para apresentar os resultados do programa no Vale do Taquari. O evento, organizado pela Embrapa e parceiros, terá como objetivo divulgar as ações de recuperação produtiva e incentivar a adesão de novos agricultores.
Segundo Guarino, o maior legado do Recupera Rural RS será mostrar que a reconstrução pós-enchente não se resume a recuperar o que foi perdido, mas sim, a recriar um modelo de produção mais resiliente e sustentável.
Ainda em fase inicial, o Recupera simboliza um novo paradigma para a agricultura familiar gaúcha sobre como aliar produtividade, conservação e segurança alimentar.

