Futebol para além do sonho de ser jogador

O sonho de ser jogador profissional é para poucos, mas eles provam que seguir carreira no esporte vai além das quatro linhas

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Crédito da foto: Philipp Brügger / Pexels / Divulgação

As escolinhas de futebol pelo Brasil são celeiros de novos craques. É nelas que iniciam a maior parte das carreiras de jogadores profissionais, algumas estrelas que geram muito lucro aos clubes.

A grande parte das crianças e jovens que ingressam nas escolinhas não se torna, de fato, um jogador profissional. A maioria, após crescer, seguirá sua vida em outras profissões e os anos de treinos e aulas serão uma lembrança de infância.

Ainda assim, para alguns, a paixão pode ser tão grande que o esporte se torne trabalho, mas do lado de fora do campo. Esse é o caso de muitos professores da escolinha Juventus, de Teutônia.

Há alguns anos, eles eram os pequenos e jovens aprendizes treinando e disputando campeonatos. Hoje, são eles que preparam uma nova geração de jogadores. Passaram do campo para a casamata, de alunos a professores. Fizeram da paixão pelo futebol sua profissão.

Cristian Gonçalves, Jonatan Dorneles, Matheus Sodré, Tiali Samuel Nunes Pereira, Daniel Frank e Henrique Schwarzer são exemplos disso. Eles contaram a caminhada no “Bola na Trave” da Rádio Popular nos dias 12 e 19 de março.

Ex-atletas, seguiram seus estudos na área da Educação Física e hoje ocupam o posto de professores da escolinha, compartilhando não só seu conhecimento técnico, mas também sua experiência.

De aluno a professor em pouco tempo

Cristian Gonçalves / Crédito da foto: Divulgação

Cristian Gonçalves iniciou na Juventus com 7 anos e permaneceu até os 17. Sempre se julgou um jogador mediano, mas com boa percepção de jogo.

“Eu sempre tive certeza de que se não fosse jogador profissional, eu estudaria para trabalhar com futebol”, conta.

Entre os 15 e 16 anos percebeu que como jogador, não ia dar. Aos 18, já ingressava na faculdade de Educação Física. De imediato, veio o convite para ser professor da Juventus. “Foi um período de transição, de aluno para membro da comissão técnica e professor”, lembra.

Para Gonçalves, estar do outro lado é um prazer, e toda essa trajetória é gratificante. “A Juventus foi fundamental para mim, na minha formação de vida”, declara.

Ele destaca o lema da escolinha que é “a cidadania através do esporte”. “Nós vamos formar jogadores, por consequência, mas acima de tudo formar cidadãos do bem, formar em todas as outras áreas profissionais capacitados”, destaca.

Muitos destes professores são bastante jovens. Gonçalves trabalha com as categorias sub-8 a sub-11 na parte de iniciação. Conta que para os pequenos os professores são referência. Nessa troca, muitas vezes rola os desafios por parte dos alunos com os professores.

“A gente aprende com eles. A gente se desafia. Da parte da ludicidade, podemos estimular a competitividade. É isso que a gente trabalha”, salienta.

Ele acredita que estas brincadeiras entre professores e alunos traz leveza para os treinos, que não ficam tão pesados e focados na parte competitiva. “Se não tiver essa ludicidade, principalmente nesta faixa etária, eles não vão querer voltar para o treinamento”, pontua.

Cristian Gonçalves acredita que este também seja um avanço em relação à época em que era atleta. “Não desmerecendo meus professores, aprendi bastante, mas a realidade hoje é outra e no esporte não é diferente”, afirma.

De adversário a professor

Jonatan Dorneles / Crédito da foto: Arquivo Pessoal

Jonatan Dorneles conta que sempre teve gosto pelo esporte desde pequeno. Não chegou a ser aluno da Juventus, mas jogou contra as equipes da escolinha e, assim, conhecia o bom trabalho realizado, principalmente na formação de atletas.

Aos 17 anos, já iniciou os estudos de Educação Física. A ideia inicial era ser professor, mas ao longo da faculdade foi descobrindo outras áreas. Em 2016 veio o convite para conhecer o trabalho da Juventus.

“A Juventus mudou minha forma de pensar, de avaliar o esporte, e me fez ser hoje mais um apaixonado pelo futebol”, afirma.

Hoje, ele tem certeza que é isto que quer pra vida. E destaca que o trabalho da Juventus é ajudar os jovens a atingir suas metas. “Objetivos que foram nossos um dia, e que hoje estamos do outro lado. Vamos cada vez mais trabalhar para cumprir nosso objetivo que é ajudar esses jovens”, pontua.

Dorneles não chegou a ser jogador de campo, mas atuou bastante no futsal. Para ele, a transição de jogador para professor foi bastante tranquila.

“Quando comecei na instituição já tinha a ideia de seguir na área esportiva, de buscar especialização como treinador de categoria de base”, explica.

O professor é focado também no trabalho de iniciação, e hoje trabalha com os alunos menores. Assim, busca sempre incentivar eles a buscarem seus objetivos e continuarem jogando.

“Eu tenho que fazer eles gostarem de futebol. Na faixa etária deles é difícil eles terem conhecimento de parte técnica, tática e física. Então procuro fazer eles gostarem de futebol para desenvolverem as próximas etapas na instituição e quem sabe no futuro como atletas profissionais”, comenta.

Dos times profissionais ao posto de treinador

Matheus Sodré começou a caminhada em busca do sonho de ser jogador bem cedo. Entre os 8 e 9 anos foi jogar no Juventude de Caxias do Sul. Atuou como jogador até os 19 anos, tentou o máximo que pôde.

Matheus Sodré / Crédito da foto: Arquivo Pessoal

Tirou várias coisas positivas, não apenas em relação ao futebol. Decidiu parar de jogar e começou a faculdade. Foi quando veio a chance de trabalhar na Juventus, onde já tinha amigos e conhecia boa parte da equipe.

“Primeiramente aceitei mais [atuar] na parte física e não como treinador, e neste ano assumi como treinador”, conta.

A atuação é importante para ele e para os alunos. “Porque posso passar a experiência que tive jogando em alguns clubes do Estado e de fora. Para eles é muito válido. Como professor eu sou novo, mas como atleta eu já sou ‘macaco velho’”, ao lembrar os mais de 10 anos no futebol.

Como professor, Sodré acredita que seja importante passar tranquilidade aos alunos. Isso porque, conforme ele avalia, no futebol de base tudo é muito novo para os alunos.

“Eles como crianças, muitas vezes, não têm esse entendimento de como funciona, de como o futebol é uma coisa importante para eles, que pode levar para a vida futuramente”, considera.

Com a experiência de ex-jogador, os professores podem tranquilizar os alunos ao contar sua caminhada. “Eles se sentem mais seguros quando damos esta tranquilidade, tanto nas questões dentro de campo quanto fora de campo”, afirma.

Os ensinamentos não são apenas sobre futebol, mas também para a vida. “Sobre o que faz ou não faz, o que posta ou não. Futebol não é só aquilo ali dentro de campo, é um contexto todo que acaba contribuindo para você ser um jogador e ter um futuro de sucesso”, pontua.

Da responsabilidade individual para a coletiva

Henrique Schwarzer / Crédito da foto: Arquivo Pessoal

Henrique Schwarzer também vive a experiência de trocar as chuteiras dentro das quatro linhas de campo, pela prancheta de treinador fora dele. Embora para ele esta decisão tenha ocorrido mais tarde. Para ele, isso representa um acréscimo de responsabilidade.

“Como jogador tu tem que tomar única e exclusivamente conta da tua responsabilidade, é o executor da tarefa. Como treinador, tem que gerir a responsabilidade de todos os meninos”, explica.

A tomada de decisão não depende apenas dele, mas também de todos os outros. “O porquê vou botar o menino para jogar, o porquê vou tirar, o porquê vou levar para a viagem, o porquê vou fazer este treino. Os ‘porquês’ aumentam 300% quando tu és treinador, ou seja, responsabilidade aumenta”, exemplifica.

Schwarzer destaca que a Educação Física em si traz diversas oportunidades para além de ser jogador de futebol que estão ao alcance de quem se interessa pela área.

Neste esporte em específico ele destaca cargos de gerente, administradores, juízes, organizador de torcida, manutenção do campo. “Existem inúmeras possibilidades que a gente pode encontrar. Além de agentes, empresários e etc”, opina.

Formado em Administração e graduando em Educação Física, o professor destaca também a importância do conhecimento, algo que passa para os alunos. “Tem que estudar, porque o conhecimento ninguém te tira”, destaca.

Sem altura para goleiro, mas com vontade para professor

Daniel Frank / Crédito da foto: Divulgação

Para Daniel Frank a decisão de deixar a trajetória de jogador e assumir a de professor já veio bem cedo. Por volta dos 15 anos.

Desde criança jogando na Juventus, teve passagem no Grêmio, jogando como goleiro. No clube tricolor, um exame revelou que ele não teria a altura considerada ideal para um goleiro no Brasil.

Assim, a decisão de desistir da carreira profissional ficou facilitada para ele. “Não tinha como eu ser da área, então fui estudar, fazer Educação Física”, conta.

Prontamente, recebeu o convite da direção da Juventus para trabalhar no clube, já que era atleta a tantos anos. “Sou muito grato a isso. Sempre agradeço essa oportunidade de poder continuar no esporte”, declara.

Estava preparado caso não conseguisse seguir no futebol. Manteve-se então na Juventus até o limite da idade, conquistando muitos títulos.

O fim do período na Juventus coincidiu com o ingresso na faculdade. Ele chegou a jogar no amador, mas pondera que jogar o amador acaba expondo muito o professor.

Muitas vezes, as pessoas não compreendem e misturam o que acontece em campo, com o que está sendo feito como professor. “Às vezes, a gente se retira do campo para evitar o mal entendido”, explica.

Da sala de aula para o campo

Tiali Pereira / Crédito da foto: Arquivo Pessoal

Cada um tem uma história diferente que levou dos campos à casamata. Tiali Samuel Nunes Pereira jogou na Juventus até por volta dos 14 anos, quando se afastou do futebol por questões familiares e por precisar trabalhar.

Sempre fã de esporte e de futebol, tempo depois começou a estudar educação física. Começou dando aulas em escola e depois veio a oportunidade de ser professor na Juventus.

A função na escolinha combina mais com ele. “Essa experiência de viver o que os meninos estão vivendo, de ir para jogo, de poder jogar, é a mesma coisa que eu sinto, e que eles sentem. Porque é novo para mim e para eles”, considera.

A experiência é muito positiva. “Está me proporcionando uma coisa muito legal, com apoio de todo mundo”, afirma.

Pereira conta que a transição da sala de aula para o campo foi difícil. Hoje, trabalhando com a iniciação, tem contato com os alunos bem novos. Aqueles que estão começando a tocar o pé na bola, a deixar pai e mãe.

“Hoje, isso não é tão difícil porque passei por isso nas escolas. Trabalho em creche também então isso me ajuda um pouco mais”, comenta.

Sempre tenta passar aos alunos: comprometimento e respeito. “Se não tiver isso, não chega a lugar nenhum”, destaca.

Para os alunos da faixa etária com a qual ele trabalha, também é preciso apostar na diversão para atrair a atenção e criar engajamento. “A gente trabalha a parte recreativa, para depois ir dando alguma finalidade no processo deles”, explica.

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