Uma equipe da Universidade do Vale do Taquari (Univates) vinculada ao Laboratório de Ecologia e Evolução e ao Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) realizou uma pesquisa recentemente publicada no periódico científico Neotropical Biodiversity.
A pesquisa faz parte da tese de doutorado de Samuel Renner, que comandou ao lado de Eduardo Périco, Marina Schmidt Dalzochio e Göran Sahlén. Renner, orientada por Périco e coorientada por Sahlén, da Universidade de Halmstad, na Suécia.
Conforme Renner, os resultados integram um padrão de ocorrência de espécies, o que, para o bioma Pampa, é algo novo, principalmente devido ao baixo número de pesquisas realizadas com as libélulas. “São resultados interessantes e pioneiros tanto para a região em que foram feitos os estudos como para o grupo de organismos estudados”, destaca.
O estudo analisou a distribuição de libélulas (Odonata) em 87 locais no bioma Pampa antropologicamente modificado do sul do Brasil, para avaliar como espécies regionalmente raras e comuns formam assembleias de espécies em habitats com diferentes caracterizações da água, estruturas e outras variáveis ambientais.
Resultados das análises
O bioma Pampa é pouco explorado cientificamente em comparação com outros biomas brasileiros. “Também o grupo de organismos modelo, as libélulas, aqui no Brasil ainda são pouco conhecidas, se comparado com outras regiões do mundo”, afirma o pesquisador.
Nove das 90 espécies encontradas foram classificadas pelos pesquisadores como regionalmente comuns e 59, como regionalmente raras. Uma análise discriminante confirmou que localidades com poucas espécies comuns eram características no conjunto de espécies raras presentes, enquanto localidades que abrigavam espécies mais comuns não apresentavam um padrão claro.
A análise discriminante é uma técnica estatística multivariada que serve para separar grupos de variáveis conforme suas características. No caso, ela mostra que o número de espécies raras em uma determinada região é dependente do número de espécies comuns. Ou seja, quando havia poucas espécies comuns, havia mais espécies raras, e vice-versa.
“Este trabalho inverteu a forma de olhar a comunidade de libélulas. Sempre se relacionou espécies raras com hábitats mais preservados e nunca se olhou como a abundância de espécies comuns afeta a abundância de espécies raras. Do ponto de vista de conservação, significa que vai além de preservar habitats, que também temos que olhar qual a composição de espécies que esses habitats atraem, visto que isso vai influenciar na presença de espécies raras”, explica o professor Eduardo Périco.
A técnica de Análise de Componentes Principais (PCA) revelou que um subconjunto das espécies comuns estava forte e positivamente associado à temperatura da água, turbidez, oxigênio dissolvido e pH, mas negativamente associado à desertificação. Em contraste, espécies raras foram positivamente associadas ao habitat de pastagem, mas negativamente à agricultura, salinidade e condutividade da água.
As associações das espécies raras foram mais fracas do que as das espécies comuns. Finalmente, uma correlação sugeriu que os locais com seis ou mais espécies comuns presentes tinham um número reduzido de espécies raras em comparação com os locais com menos espécies comuns. É possível que espécies comuns reduzam o espaço de nicho disponível para competidores mais fracos entre as espécies raras.
Os pesquisadores concluíram que as assembleias de espécies originais no bioma podem ter sido pobres em composição de espécies, com poucas espécies regionalmente comuns. As mudanças ocasionadas pela ação humana atual aumentaram o número de espécies comuns, que, por sua vez, têm efeitos negativos sobre as possibilidades de sobrevivência de espécies raras.
“Este estudo foi desenvolvido com base em avaliações de variáveis ambientais de paisagem e físico-químicas com relação aos ambientes aquáticos e à fauna de libélulas que neles ocorrem. Os resultados mostram, basicamente, que há uma relação entre a composição e a quantidade de espécies comuns e generalistas com a composição e quantidade de espécies raras ou especialistas”, conclui Renner.
Os resultados mostram que outras variáveis (como a composição de espécies) afetam diretamente a presença/ausência de determinada espécie no ambiente, o que implica diretamente nas estratégias de conservação da biodiversidade, que são usualmente centradas principalmente nos efeitos negativos da antropização dos hábitats naturais.