Não dá para negar que a pandemia da covid-19 afetou a saúde mental de todos. Desemprego, isolamento social, medo de adoecer e de perder pessoas queridas. Mas não foram apenas os fatores externos que impactaram a saúde psíquica das pessoas.
Um estudo da Universidade de Oxford, publicado na revista “The Lancet Psychiatry”, mostrou que 34% dos pacientes recuperados da covid-19 foram diagnosticados com problemas psiquiátricos ou neurológicos, como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático, insônia, dificuldade de concentração, esquecimento, cansaço e névoa mental.
No Brasil, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) avaliaram 425 pacientes acometidos pelas formas moderada e grave da covid-19, e constataram alta prevalência de transtornos mentais e déficit cognitivo nesse grupo. Transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático e depressão foram os que apresentaram aumento em sua incidência.
No início, os médicos acreditavam que as alterações neurológicas eram apenas consequência da manifestação clínica da doença, e estariam associadas a quadros respiratórios, como pneumonia viral ou insuficiência respiratória grave.
Mas hoje se sabe que o vírus pode ultrapassar a barreira sangue-cérebro (responsável por dificultar a passagem de substâncias do sangue para o sistema nervoso central), o que provoca uma resposta inflamatória.
O médico Marcos Franck, neurocirurgião do Hospital Bruno Born, de Lajeado, explica o que essa ação viral provoca. “As principais consequências da ação viral seriam a inflamação com o aumento de citocinas inflamatórias e modificação de células da glia, que têm papel na defesa do tecido nervoso. Essas células se transformam para um estado de resposta à inflamação”, demonstra. Em outras palavras, a inflamação do tecido nervoso provocaria uma resposta imunológica exagerada, causando prejuízo ao cérebro.
Além disso, Franck diz que um estudo revelou que foram observadas micro-hemorragias e lesão neuronal com morte de neurônios em diversas regiões do encéfalo. Esses dois fenômenos também costumam ser vistos em várias doenças neurodegenerativas, e ainda, explicariam os sintomas da chamada “covid longa” desenvolvida por alguns pacientes.
TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS
Há ainda outros fatores que podem estar associados ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos por aqueles que tiveram covid-19, como destaca o neurocirurgião. “Outros mecanismos fisiopatológicos podem ser fatores de desenvolvimento de transtornos mentais, como a consequência do uso de fármacos instituídos no tratamento e de iatrogenias, com o emprego de terapias não apropriadas ao tratamento da doença”, detalha.
É possível observar que pessoas que já tinham algum diagnóstico apresentaram sintomas mais graves.
NÉVOA CEREBRAL
“Brain fog” ou “névoa cerebral” é um termo utilizado para descrever uma série de sintomas relatados por pessoas que tiveram covid-19. Sensação de lentidão, cansaço mental, dificuldade de se concentrar ou de aprender novas tarefas, alterações na memória, entre outros. “No caso do brain fog, essas alterações podem estar relacionadas a um agravo causado pela própria síndrome respiratória aguda, causando redução do suprimento de oxigênio às áreas específicas cerebrais relacionadas à cognição. Entretanto, entendemos que é necessária a realização de estudos científicos que possam esclarecer essa correlação”, afirma Franck.
QUEM PODE DESENVOLVER SINTOMAS NEUROLÓGICOS DA COVID-19?
Conforme o neurocirurgião, as alterações neurológicas atingem também quem teve apenas sintomas leves. Ainda assim, de acordo com o médico, pessoas que passaram por hospitalização têm maior probabilidade de desenvolver problemas de atenção, memória e funções executivas. “Sabemos que pacientes idosos que são internados, principalmente internações prolongadas, têm alterações nos seus testes cognitivos. Mas chama a atenção na covid-19 a frequência com que isso acontece em qualquer faixa etária, mesmo em pacientes jovens e previamente saudáveis”, completa.
TRATAMENTO NEUROLÓGICO
Ao identificar sintomas cognitivos, o ideal é procurar um neurologista para investigar a causa dos sinais e entender se é necessário realizar algum tipo de tratamento. É no diagnóstico nessa que é analisado pelo profissional se os sintomas têm relação com o vírus da covid-19.
Identificado o problema, é hora de discutir o tratamento, que costuma ser guiado pela natureza e grau dos sintomas. “O tratamento é indicado principalmente para pacientes com déficits moderados a graves, sejam eles cognitivos, sensitivos ou motores. Pode ser necessário medicar pacientes com quadros de dores crônicas, alterações de sono, alterações psiquiátricas ou outras alterações neurológicas motoras ou sensitivas”, especifica.
O próprio neurologista pode indicar a necessidade de uma abordagem multidisciplinar. Isso inclui terapias de reabilitação motora, psicoterapia, fonoterapia e acompanhamento com psicólogo e/ou psiquiatra.