Com emoção, resgate histórico e orgulho da trajetória trilhada, a comunidade de Boa Vista Fundos celebrou no sábado, 10 de maio, os 150 anos da Escola Municipal Andrade Neves. A solenidade, marcada por homenagens a ex-professores, apresentações culturais e exposição de trabalhos dos alunos, reforçou a importância desta instituição centenária — uma das mais antigas do Vale do Taquari — como base da educação local e herança viva dos primeiros colonizadores da região.
O evento comemorativo reuniu ex-alunos, professores aposentados, lideranças e moradores da região. Maquetes representando a comunidade foram expostas, retratando com detalhes a paisagem rural, a arquitetura tradicional e os espaços de convivência da localidade. Apresentações artísticas dos estudantes emocionaram o público, evidenciando que a escola segue sendo um polo de cultura, cidadania e integração comunitária.
A programação contou com homenagem aos presentes na festa: Nair, esposa do falecido professor Edgar Wiebusch, que atuou durante 19 anos na escola; professoras Renata, Maria Noemi, Sirlei e Marabel Althaus (de 1986 até 2023).
A atual diretora Francieli Merlo mostra-se honrada por estar à frente da escola com um século e meio. “É continuar um legado muito grande, pois várias gerações já passaram por aqui e a escola continua sendo a referência da comunidade”, disse. A Andrade Neves é muito mais do que uma escola. É um símbolo da história. Muitos dos educadores homenageados lecionaram em tempos difíceis, com estruturas precárias e poucos recursos. “Mesmo assim, conseguimos alfabetizar praticamente toda a comunidade”, registra um documento histórico de 1968, assinado pelo então diretor Edgar Wiebusch.
A comemoração dos 150 anos reafirma o elo entre passado, presente e futuro — não apenas da escola, mas de toda Boa Vista Fundos. Entre lembranças e novos projetos, a Andrade Neves continua sua missão, como desde 1875: ensinar, integrar e transformar.
Desde 1875
Muito antes da emancipação de Estrela (1876) e da criação do município de Teutônia (1981), a Escola Andrade Neves de Boa Vista Fundos já alfabetizava crianças descendentes dos imigrantes alemães que chegavam à então Colônia Teutônia. O prédio original da escola foi erguido em abril de 1875, por iniciativa coletiva dos moradores. “Todos os vizinhos resolveram construir uma escola”, narra Jacob Lang Filho, citado nas memórias traduzidas pelo historiador Guido Lang. O professor pioneiro foi August von Scheren, homem culto, ex-capitão de navio na Guerra do Paraguai, que ministrava aulas em alemão, com livros trazidos da Europa.
A origem da escola, conforme Guido Lang, está intimamente ligada à cultura do esforço comunitário dos colonos germânicos. “A preocupação dos pioneiros com o ensino lançou os esteios dos grandes índices de alfabetização na colônia Teutônia, que tornou-a um dos espaços mais alfabetizados da América Latina”, destaca o pesquisador. O local da escola situava-se entre as picadas Boa Vista, Catarina e Germano Fundos — uma encruzilhada de estradas e de sonhos.
A Escola Andrade Neves também guarda um acervo documental de inestimável valor, como estatutos manuscritos da antiga Sociedade Escolar Três de Julho e registros da ação de usucapião do terreno escolar. Os primeiros professores nem sempre eram formados, mas assumiam a missão com dedicação. Os bancos eram de madeira maciça, os meninos sentavam-se de um lado e as meninas de outro, e o ensino era ministrado inicialmente em português, mesmo que a maioria das crianças só falasse o dialeto alemão em casa. “O rádio era o único contato com a língua portuguesa fora da escola”, relata Guido Lang em seus textos sobre as memórias locais.
Ao longo de um século e meio, a Andrade Neves resistiu às mudanças, às políticas educacionais, ao êxodo rural e às dificuldades estruturais. Manteve-se firme na missão de formar cidadãos. “A escola, como instituição comunitária, sempre foi um eixo de identidade local”, define Lang.
Comunidade
A localidade de Boa Vista Fundos, cortada pelo Arroio Vermelho e abrigada em meio à Mata Atlântica, teve sua origem com imigrantes vindos da Colônia Alemã de São Leopoldo entre 1868 e 1872. Além da escola, que hoje permanece como um dos principais pilares da comunidade, a linha também abrigava associações culturais, esportivas, corais, casas comerciais e atividades como suinocultura, produção de cachaça e queijarias. A economia local evoluiu com o tempo, e atualmente inclui granjas modernas, plantações variadas e propriedades transformadas em chácaras.
A denominação “Boa Vista Fundos”, segundo Lang, surgiu para evitar confusões com outras localidades de nome semelhante. E não faltam histórias curiosas: o tradicional “Baile da Tripa Grossa”, as capungas (banheiros rústicos), o campo improvisado como quadra esportiva e os bancos escolares que marcaram gerações.