O fim de uma história de 60 anos em Poço das Antas: “Era a escola dos sonhos”

Educandário de Boa Vista deve fechar definitivamente por falta de alunos

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Comunidade lamenta. Futuro do prédio ainda é incerto / Crédito: Luis Augusto Huppes

Poucos meses antes de completar 60 anos de atividades, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Valentim Schneider, de Boa Vista, Poço das Antas, deve fechar as portas. Apesar da 2ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) não ter anunciado oficialmente a descontinuidade das atividades, já não há alunos matriculados para 2025.

Entre os motivos do fechamento, o baixíssimo número de alunos – em 2024, menos de 10 estudantes estavam matriculados entre o 6º e o 9º ano do ensino fundamental.

O fim da escola é um triste marco para a comunidade e de Boa Vista. Fabiane Ludwig dirigiu o educandário até o fim do ano passado, quando recebeu a aprovação da aposentadoria. Antes disso, buscou incessantemente um substituto para sua função, sem sucesso.

Alguns pais se reuniram em mobilização pelo não fechamento do educandário. Foi sugerido àqueles com filhos em outras escolas com idade para estudar na Valentim que matriculassem as crianças ali, mas muitos recusaram.

“Cada início de ano era uma luta. As comunidades pequenas estão ‘secando’, assim como a preservação de comunidade e o amor pelo local onde se vive”, lamenta a ex-diretora Fabiane Ludwig.

Multisseriada, até 2020 a escola tinha ensino fundamental completo. Depois, restaram apenas os anos finais. O educandário possuía em torno de oito contratados, incluindo Fabiane, professora nomeada desde 1993 e gestora escolar há 4 anos.

“Sem a escola, é a comunidade perde. Isso será sentido daqui para a frente. Para mim é lamentável. Evitando passar naquele trajeto, porque não posso imaginar aquela escola silenciosa, não consigo compreender, para mim foi uma pena muito grande”, disse a professora.

Ela explica que a Valentim é uma “escola dos sonhos”: totalmente equipada, com Chromebooks para cada aluno, datashow e climatização em todas salas e material pedagógico riquíssimo. “Tínhamos até futmesa, mesa de pebolim, mesa de disco”, cita.

Saudosista, Fabiane lembra que os filhos se formaram na escola e seu marido estudou lá. “Tivemos prêmios nessa escola. A Valentim formou alunos que se tornaram engenheiros e contadores, entre tantos outros. É um educandário com muito potencial, com alunos de muito potencial”, aponta.

31 anos de dedicação

Silvane Loesch Wolfart foi professora na Valentim Schneider. Iniciou suas atividades em 1984, nas series iniciais. Com o passar do tempo, começou a atuar com a Língua Portuguesa até se aposentar, em 2015. Foram 31 anos dedicados à escola. “É uma grande perda para a comunidade”, diz.

Ela lembra quando as turmas tinham mais alunos. Nas séries iniciais, a maioria tinha 10 ou menos, mas as séries finais atendiam de 10 a 15 alunos. Na época, já se percebia a redução do número de alunos, especialmente após a oferta do transporte escolar pelo município, quando alguns pais optaram por mandar seus filhos para outras escolas.

“Na verdade, não sabiam, talvez, o quanto os filhos poderiam estar perdendo. O ensino na Valentim Schneider sempre foi muito bom, tínhamos uma equipe de professores qualificada e formada na área em que atuava”, ressalta Silvane.

Apesar de triste com o fechamento do educandário, se acalenta pela certeza de ter cumprido com o seu dever de professora. “Cada vez que vejo um ex-aluno colando grau na faculdade, penso que contribuí com isso. Sinto orgulho das mais diversas profissões que nossos ex-alunos seguem. Eles são exemplos de profissionais”, sinaliza.

Era diferente”

A ex-aluna Fernanda Elisa Klein estudou na Valentim de 2007 a 2010 – quando os “anos” ainda se chamavam “séries”. Fez da 1ª até a 4ª série, no período da tarde. Quando avançou, na sua turma ela era a única aluna. Dessa forma, não foi liberada turma para um só aluno, pois não havia multissérie nas séries finais. Ela então foi transferida para a Eeem Poço das Antas.

“No período que fiquei por lá, aprendi muito. Era diferente, principalmente pela questão da comunidade, sempre junto, apoiando. Foi uma diferença muito grande, pois na Valentim havia mais silêncio nas salas, mais aprendizado. Quando fui para o centro, na quinta série a turma tinha cerca de 34 alunos, então, até me acostumar com a nova rotina foi um pouco difícil”, conta Fernanda.

A Valentim fica cerca de 150 metros da sua casa. “Tem uma estrutura grande, é bem equipada, sempre formou bons alunos. Para a comunidade e pais que queriam colocar os alunos lá ainda, é triste”, ressalta a jovem.

Comunidade

O hoje árbitro Fifa, Rafael Klein, cursou todo o ensino fundamental (da 1ª à 8ª série) na Valentin Schneider. Na época, o número de alunos era maior. “Para mim foi muito significativo ter a oportunidade de ter uma escola inserida dentro da comunidade, com a participação de pais dentro das festividades celebradas, como o aniversário da escola”, disse.

Tem certeza que o educandário formou excelentes profissionais em diversas áreas. “Tenho uma gratidão muito grande por todos os professores, que tiveram uma participação muito grande na minha formação, cada um de uma forma muito especial, e cuja boa relação mantenho até hoje”, aponta. Lembra também de ter feito as primeiras amizades da vida no educandário, com as quais também se relaciona hoje.

“Essa proximidade de comunidade escolar e família, a proximidade dos pais com os professores, com a grande maioria deles morando ou inseridos na comunidade, entendendo o contexto escolar, foi um grande diferencial na nossa formação”, afirma Klein.

Para Rafael, o fechamento da escola é muito triste, porque a comunidade de Boa Vista é muito forte e unida, que tem se desenvolvido bastante ao longo dos anos em termos de esporte, de sociedade, igreja, entre outros, com grande engajamento das pessoas.

“Ficar na comunidade sem uma escola realmente é muito triste. Havia segurança, tranquilidade e espaço em meio à natureza para desenvolver atividades físicas. Ao mesmo tempo, a memória dessa escola é de alegria”, diz.

Ele reflete sobre o que será feito com a estrutura escolar, visto ser um espaço rico em termos de sala de aula, de quadra esportiva, de informática, biblioteca. “Como utilizar esse espaço para o desenvolvimento de crianças, através de projetos que a gente possa realizar nesse espaço físico”, sinaliza.

Futuro em jogo

A secretária de Educação, Cultura, Desporto e Turismo de Poço das Antas e ex-professora do educandário, Ivanise Maria Schneider Flach, aponta que o município entrou em contato com a 2ª CRE para ver o que poderia ser feito. “Como uma comunidade que valoriza a educação e participa bastante, Boa Vista sente muito esse fechamento”, finaliza Ivanise.
Ela aponta a insegurança de muitos pais sobre o futuro da escola. Haveria professores suficientes? A coordenadoria conseguiria a vinda de uma diretora? Seria possível mantê-la aberta em 2025 e em 2026? “Por fim, resolvemos fechar”, disse.
Agora, o Município aguarda a visita da CRE para alinhar o futuro do espaço. A princípio, o Executivo poderia usufruir do estabelecimento e de seus materiais através de cessão de uso. Após 5 anos, toda a área de terras, o prédio e os materiais poderiam então passar para o Município.

“Ocuparemos esse espaço como acharmos importante e necessário. Agora é esperar para alinharmos essa troca”, aponta a secretária.

Entre as sugestões de uso está o contraturno das séries iniciais municipais e atividades com os idosos. Ainda, o espaço poderia servir para a academia de ginástica ao ar livre.
Com o fechamento da Valentim Schneider, Poço das Antas passa a ter apenas uma escola estadual: a de Ensino Médio (Eeem) Poço das Antas, que abrange alunos do 6º ano do fundamental até o 3º ano do ensino médio. Ainda, são de responsabilidade do município a Emei Espaço da Criança e a Emef Leo Pedro Schneider.


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