Na contramão das estatísticas

Com apoio da família e da Univates, alunos desafiam índices e protagonizam histórias inspiradoras

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Estudante de Jornalismo Samuel Elias Klein / Elise Bozzetto / Divulgação

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) aponta que, embora tenha aumentado na última década, o acesso de alunos com deficiência ao ensino superior está longe de ser inclusivo. Apenas 0,42% das matrículas é de alunos com deficiência. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que 90% das mulheres jovens (entre 15 e 29 anos) com filhos deixam de estudar.

Entre as mulheres sem filhos da mesma faixa etária, apenas 11,2% abandonaram a escola sem concluir o ensino médio. Em 2004, 20% dos mais ricos representavam 55% dos universitários da rede pública e 68,9% da particular. O Inep divulgou também que a escolaridade média da população de 25 anos ou mais aumentou entre 2004 e 2013, passando de 6,4 para 7,7 anos de estudo. Esse incremento foi mais intenso entre os 20% com os menores rendimentos, que elevaram de 3,7 para 5,4 os seus anos de estudo. Ainda assim, é um número que revela a baixa escolaridade dos brasileiros de baixa renda.

“A educação é a base fundamental de uma sociedade. Sem educação não chegamos a lugar algum. E eu nunca vou parar de aprender”. Com essa frase Samuel Elias Klein encerrava nossa entrevista. Já tinha até guardado meu caderninho quando gentilmente me convidou a anotar essa frase que, segundo ele, precisava constar na matéria. E precisava mesmo.

A educação, como disse Aristóteles, “tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces”. Aprender não é um processo de osmose no qual deitamos sobre livros e acordamos sábios ou refletimos sobre cada palavra de um docente e automaticamente absorvemos os conceitos que evocam de suas cordas vocais. O ensino exige muita dedicação. E, para Samuel, Dejanira Catiúcia Ricardo Black e Henrique da Rosa, exigiu um desafio maior ainda do que o somente colocado em sala de aula. Conheça estas inspiradoras histórias de amor pelo conhecimento e de sacrifício que desafiam os números que assolam nosso país.

O sacrifício de conciliar família,trabalho e estudos
Dejanira Black está no último semestre do curso de Gestão de Micro e Pequenas Empresas e se formar é a realização de um sonho para ela. “Sempre tive vontade de estudar. Formei-me no ensino médio em 2002, mas não tinha condições financeiras para fazer o ensino superior. Comecei a trabalhar em 2004 na Docile, no chão de fábrica. Com muita dedicação, em 2006 consegui uma vaga como telefonista e recebi ajuda de custo de 50%. Foi minha grande chance e iniciei o curso de Relações Públicas. Em seguida, vi que me identificava mais com Administração e troquei de curso. Hoje estou para me formar em Gestão de Micro e Pequenas Empresas e o orgulho que sinto por ter chegado até aqui, depois de tantos anos, não cabe em mim”, revela Dejanira.

Dejanira Black está no último semestre do curso de Gestão de Micro e Pequenas Empresas /Elise Bozzetto / Divulgação

Mesmo com o desconto, o orçamento era apertado. Com dois filhos, trabalhando e cuidando da casa, Dejanira contou com o apoio do marido e da sogra nos momentos de ausência na família. “As pessoas às vezes me perguntavam se valia a pena tanto sacrifício. Ficar longe dos filhos, enfrentar chuva e frio de moto para vir para a faculdade, finais de semana inteiros estudando e fazendo trabalhos. Mas eu sempre acreditei que valeria a pena, que meu caminho se abriria se eu estudasse”, declara.

A caminhada teve várias pausas. “Parei a faculdade para ter meu segundo filho. Parei também por causa da aquisição da minha casa, minha dívida”, brinca. Mas o percurso ainda é longo. “A ideia é não parar de estudar. Gosto de trabalhar com e para as pessoas, penso em fazer uma pós-graduação na área de recursos humanos”, antecipa a formanda.

Um entre duzentos
“Sempre quis fazer uma graduação, desde pequeno”. Henrique da Rosa, estudante de Enfermagem, na infância se inspirava em seus professores e já sonhava com a possibilidade de não fazer parte da estatística que assola crianças e jovens de baixa renda. Filho de um gari e de uma faxineira, numa família com seis irmãos, nunca teve apoio em casa. “A questão cultural é muito forte. Minha família não conhecia ninguém que estudou e conseguiu uma vida melhor, então, para eles, essa não era uma opção”, lastima o jovem, que deve se formar na metade de 2018.

Henrique da Rosa, estudante de Enfermagem / Elise Bozzetto / Divulgação

“Quando eu tinha três anos, meu pai ficou desempregado e eu passei a frequentar a Associação para Menores de Arroio do Meio (Amam) durante todo o dia. Só ia para casa para dormir, pois precisava comer no abrigo para ter refeição. Lá me sentia seguro, fiz cursos de aperfeiçoamento que me deram a possibilidade de conseguir uma vaga de padeiro aos 16 anos. Tive professores que sempre me incentivaram a estudar, a nunca parar e ir atrás de meus sonhos”, enfatiza Henrique.

Os professores da época já não estão mais na Amam, mas Henrique os visita com frequência. “A cozinheira que trabalhava na época me deu muito suporte. Ela sempre me incentivava a progredir. De 200 crianças que passaram pela Amam no período em que estive lá, três ou quatro conseguiram acessar o ensino superior. Mas, até onde sei, somente eu estou concluindo a graduação”, lamenta. Começando com poucas disciplinas, Henrique foi contemplado com uma bolsa do Fundo 40, mantido por funcionários e professores que realizam doações para ajudar estudantes de baixa renda. “Sou muito grato à Univates. Em 2016, fui beneficiado pelo Fundo 40 e graças a isso vou me formar na metade de 2018. Esse é o mesmo apoio que recebi na Amam: foi fundamental para a minha formação, para a minha vida. Serei eternamente grato à Instituição”, finaliza.

Uma história iniciada antes do tempo
Com 26 anos, o estudante de Jornalismo Samuel Elias Klein nasceu aos sete meses de gestação, por erro médico. A mãe foi diagnosticada em trabalho de parto e foi induzido o nascimento. O bebê demorou para nascer, entrou em sofrimento e foi feita cesárea. Poucos segundos sem oxigênio bastaram para deixar Samuel com uma paralisia que comprometeu seu desenvolvimento psicomotor, condição só detectada aos 12 meses de idade. Ao longo de sua vida, a família se mudou diversas vezes atrás de trabalho, até conseguir se estabilizar em Venâncio Aires, onde hoje reside numa casa adaptada às condições de Samuel.

Desde cedo, Samuel enfrentou diversos desafios para conseguir concluir os estudos. No ensino médio teve a ajuda da mãe como sua monitora, já que o ensino público não disponibilizava o serviço necessário para que Samuel pudesse estudar. Na faculdade, outro desafio: Samuel iniciou Jornalismo em 2010 em outra instituição de ensino, mas teve de abandonar o curso em 2015, por falta de suporte. “Fui avisado de que não teria mais monitor, tampouco auxílio para realizar provas. Foi sugerido que meu pai me acompanhasse, o que não era possível. Foi então que conheci a Univates e pedi transferência. Não tenho palavras para descrever o atendimento que recebi.

Tenho todo o suporte, monitores que me acompanham e que são verdadeiros amigos, sempre dispostos, receptivos e competentes. A preocupação da Instituição quanto à acessibilidade é muito grande”, comemora Samuel. O estudante precisa de alguém que o acompanhe em toda a rotina na Instituição, desde recebê-lo na autolotação até redigir suas provas e trabalhos. Em 2016, sua monitora foi a estudante de Fisioterapia Taís Trindade e agora quem o acompanha é Natanael Castoldi, aluno de Psicologia. Em casa, os pais são só elogios. “Ele é perfeccionista, não aceita um ponto errado na frase. É exigente e sempre foi muito estudioso”, comenta a mãe, Romi Carvalho. Para o pai, ele é um guerreiro: “É difícil encontrar alguém com a determinação do Samuel. Se ele quer aprender, ele vai atrás. A força de vontade dele inspira todos nós”, ressalta Ivo.

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