Por Camille Lenz da Silva e Luis Augusto Huppes
No fim de semana, Teutônia foi palco de um evento que tem tudo para se tornar referência no município e região: a 4ª etapa do Campeonato Estadual de Ciclismo de 2025, através do 3º Troféu Teutônia.
Mas esta não foi uma etapa qualquer. Pela primeira vez, o Troféu Teutônia teve duas provas em sua programação: a cronoescalada individual no sábado (31/5) e um circuito urbano no domingo (1º/6), com somatória de tempos para definir os vencedores e posições.
O diferencial da etapa em Teutônia foi, definitivamente, a cronoescalada, que ficará na memória de muitos dos atletas por um motivo especial: a complexa, penosa mas gratificante subida até a Lagoa da Harmonia.
No pé do morro, na altura da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Guilherme Rotermund, ciclistas que fazem parte da considerada “elite” do esporte gaúcho esperavam sua vez na largada, que ocorreu de forma escalonada a cada 30 segundos.
Empolgados, muitos relataram já terem visitado Teutônia diversas vezes, porém, nunca haviam subido à lagoa. A expectativa era grande e, apesar do frio, o tempo bonito, limpo e ensolarado coroou e colaborou com o bom evento.
Encabeçando a organização da etapa, o presidente da Associação Teutônia Ciclismo (ATC), Marcelo Luersen, sorria e celebrava ao ver a movimentação dos mais de 250 atletas presentes, superando a expectativa de inscrições e participações.
“O morro impõe muito respeito, principalmente com seus trechos de extrema dificuldade para os ciclistas. Nós, que somos daqui [Teutônia], dificilmente subimos lá, porque são 21% de inclinação, com picos de 25%. Isso quer dizer que, a cada 100 metros subimos cerca de 25 metros”, revela Marcelo.
Por outro lado, a dificuldade é o fator que torna o feedback dos atletas tão significativo. “Elogiaram demais a prova e a organização. Desde a segurança até a estrutura que nosso município oferece. O Centro Administrativo é um lugar fenomenal para realizar o circuito e a Lagoa da Harmonia é um baita cartão postal da cidade”, ressalta.
E Teutônia se destaca pelas provas de qualidade. O atleta, membro da ATC e também um dos organizadores da etapa, Cristiano Brixner, cita que, geralmente, as provas do estadual envolvem trajetos mais planos. “Mas neste ano, optamos pelo desafio emblemático da lagoa com a prova de contrarrelógio individual, que é quando o atleta se desafia sozinho; é o atleta e a máquina contra o relógio em busca de completar determinado percurso no menor tempo possível”, explica.
O desafio continuou no domingo com o circuito urbano, já tradicional nos arredores do Centro Administrativo, mas com um tempero a mais: os ciclistas largaram em baterias e precisaram gerir o desgaste do dia anterior para concluir as duas provas.
Apesar de a soma dos tempos dos dois dias definir os vencedores da etapa, a organização decidiu premiar também o melhor tempo em um segmento final da subida, como um bônus para os “escaladores” amantes das montanhas e o troféu especial para o “Rei da Lagoa”.
As provas foram disputadas em mais de 20 categorias, com medalhas até o quinto colocado de cada uma. A elite masculina e feminina também recebeu premiação em dinheiro para os melhores classificados.
Luersen estima a vinda de ao menos 1 mil pessoas à Teutônia no fim de semana. Para o município, o impacto se reflete na economia local. Duas semanas antes do evento, hoteis, pousadas e moradias temporárias da cidade estavam lotados, assim como os restaurantes.
“Vou viver até os 100 anos”
O caxiense Darnes Labatut, 74, é ciclista ativo há 60 anos. O “tesão” por andar de bicicleta começou com os irmãos. Eles estudavam no Senai, que promovia o ciclismo como meio de transporte. Nos fins de semana, competiam enquanto Labatut ficava com o pai na torcida. Darnes começou a pedalar aos 14 e, desde então, já participou de desafios na Grécia, África do Sul, Alemanha e Estados Unidos.
Hoje, cinco netos e dois filhos também competem. “Não dá pra parar. É um esporte maravilhoso. Tem seus perigos e dificuldades, mas acredito que deixamos um legado para as pessoas que às vezes nos criticam achando que estamos perturbando o trânsito. Talvez nós ainda vamos salvar o mundo no meio de transporte”, diz ele, que hoje praticamente não utiliza carro no dia a dia.
Tendo competido em Teutônia ao menos 10 vezes, ele considera as provas na cidade muito bem organizadas. Ele participa pela categoria Master D2 (mais de 65 anos).
Labatut não fazia parte de um pequeno grupo considerado de “terceira idade”. Pelo contrário: os mais jovens eram minoria na cronoescalada. Ele estava acompanhado dos amigos que fez nas pistas da vida, os bento-gonçalvenses Luciano Pauletto, 70, e Beto Franzolozo, 57.

Crédito: Camille Lenz da Silva
Conquista em casa
Mas a prova não foi só para pessoas mais experientes. Lucas Luersen, da ATC, tem apenas 13 anos e conquistou a categoria Infanto B do circuito urbano do domingo. Apesar da pouca idade, ele já tem experiência em competições. Começou a pedalar influenciado pelo pai, Marcelo, e ingressou no Campeonato Gaúcho com 11 anos.
Nesta edição, Lucas não pode competir na prova de estrada no sábado, pois sua categoria não é autorizada a correr em trechos com tráfego de veículos. No entanto, brilhou no circuito técnico e exigente. “O circuito é bem duro, um sobe e desce danado. Chega um momento que cansa e desgasta muito”, relata.
Durante a prova, ele conseguiu abrir vantagem junto de outro atleta e disputou o 1º lugar no sprint final. “Houve momentos em que achei que não ia mais conseguir, mas tirei forças de onde nem sei”, conta.
Lucas ressalta a importância do apoio familiar para conseguir concluir a prova. “Minha família toda estava lá, escutava todos gritando na chegada. Isso me deu muita força e coragem”, disse.

Crédito: Divulgação
União que faz a força
Uma das belezas do ciclismo e de provas como essa é a união de pessoas de todas as idades, cidades, credos e movimentos. Na chegada, no topo da lagoa, estava um grupo de meninas da ABC Concresul – que possui a equipe com o maior número de mulheres do estado, cerca de 15. Cansadas, elas se apoiavam após a subida desgastante e compartilhavam suas experiências.
A mais nova, Amanda, tem 17 anos, enquanto a mais experiente, Jana, tem 50. Entre elas estavam Sandra, 36, Cristiane, 45, e Priscila, 49. Cada uma vinha de um canto do estado, mas todas compartilham um gosto em comum: o ciclismo.
No dia a buscam conciliar o pedal com suas vidas profissionais e familiares. “É uma luta de gênero, pelo horário, pela compatibilidade com o trabalho e a família”, diz Cristiane.
Todas concordam que os maiores desafios são o perigo e as condições adequadas para pedalar. “É difícil conseguir usar a bicicleta para as atividades diárias. Para o treino é um pouco diferente, porque a gente acaba indo para a rodovia. É uma pena a gente não ter área de proteção para ciclismo de competição, que seria mais seguro. Mas a gente vem lutando por isso”, aponta Priscila.

Crédito: Camille Lenz da Silva
Desafio em dose dupla
De outro canto do estado veio Lourenço Vanderlei da Cruz dos Santos, 50. Natural de São Luiz Gonzaga, participou pela terceira vez de um evento em Teutônia, mas encarou a subida da Lagoa da Harmonia de forma inédita. Apesar de ter subido a Serra do Rio do Rasto três vezes, considera a lagoa como a mais exigente.
O atleta foi o único amputado a participar da prova do sábado em Teutônia. Apesar disso, disputou na categoria geral com uma bicicleta adaptada, que facilita a hidratação e o controle com apenas uma das mãos.
Como se não bastasse a subida desafiadora, Lourenço enfrentou um problema mecânico durante a prova: perdeu o selim de sua bicicleta. “Foi horrível, porque precisei pedalar o restante da subida em pé”, comenta. Ele acredita que não apertou o selim o suficiente após ter trocado o equipamento antes de iniciar a subida.
Sem chave para consertar, Lourenço teve que continuar com o objeto guardado dentro da camisa. Apesar do contratempo, completou a prova em 25 minutos. “Acredito que os ciclistas de mais experiência concluem a subida em até 15 minutos. Porém, subi muito bem, mesmo com essa dificuldade e sem ter uma mão. Não conhecia a pista e não vim bem preparado, me pegou de surpresa. Mas tudo é aprendizado”, aponta.
De desafios em desafio, a vida de Lourenço está cheia. A motivação e superação no esporte veio após uma tragédia pessoal. Um acidente de trânsito o fez perder um filho e ter parte do braço direito amputado. No sábado, fez 4 anos da tragédia, e Santos passou o dia da única forma que o fez seguir em frente após o ocorrido.
“Comecei a pedalar nessa época. Em 2022, cheguei a rodar cerca de 22 mil quilômetros. Era uma válvula de escape, saía de madrugada, para não enlouquecer”, relata.
Antes disso, Lourenço pedalava de forma recreativa. “Era aquele atleta ‘de fundo de quintal’, que andava e tomava cerveja todo dia”, brinca.
No entanto, logo depois de começar, já mostrou para o que veio. Na primeira competição da qual participou, saiu campeão gaúcho. Seu currículo inclui a participação no Pan-Americano de Ciclismo, no qual ficou no 5º lugar entre estrangeiros e brasileiros. Tem títulos estaduais e provas ao lado de atletas de elite do ciclismo, como o campeão mundial Lauro Chaman.
“Depois que eu amputei, achei que tudo tinha acabado. Muito pelo contrário, fui virar um atleta mesmo. E aqui você conhece muita gente, isso faz bem demais, mexe com a gente. Hoje, por onde eu vou, tem torcida pra mim. Nunca imaginei conhecer Brasília, João Pessoa, esses lugares. Hoje, por causa do ciclismo, eu conheço isso tudo”, revela.

Crédito: Camille Lenz da Silva