A jornada de José Laumir, preso ao Sistema de Regulação do Estado

Enquanto o governo trabalha para suprir atrasos de décadas na fila do SUS, milhares de “Josés” esperam por um procedimento cirúrgico há muito tempo, convivendo com dores constantes e sem previsão de atendimento

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A jornada de José Laumir, preso ao Sistema de Regulação do Estado
José e a companheira vivem em uma pequena moradia na localidade de Posses / Crédito: Anderson Lopes

Kelly Hentges e Camille Lenz da Silva

O governador Eduardo Leite anunciou na segunda-feira (1º/12) uma nova rodada de investimentos do SUS Gaúcho, programa estratégico do Estado que investirá R$ 1 bilhão na saúde em 2025 e 2026. Após 45 dias desde o seu lançamento, mais R$ 158,4 milhões foram disponibilizados para qualificar a rede pública no RS.

Em muitos casos, o incremento dos recursos ocasionou mudanças significativas na prestação de serviço. É a situação das consultas de ortopedia de joelho e de oftalmologia geral adulto, cujas filas reduziram em 27,2% e em 43%, respectivamente. Ambas especialidades concentram a maior espera por atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS).

No entanto, enquanto o governador destaca que o SUS Gaúcho representa uma virada de página na gestão da saúde pública no Estado, as demais consultas e, em especial, procedimentos que dependem do SUS no RS não conseguem acompanhar o ritmo dessa nova perspectiva.

De que adiantam consultas se não é possível realizar os procedimentos?

Aniversário que virou marco da dor

Morador de Teutônia, José Laumir dos Santos (51) não caminha, não consegue se sentar sozinho e tem movimentos limitados nos braços e pernas. Ele vive com a companheira, Maria de Lourdes Machado (56) em uma pequena casa na localidade de Posses.

Maria lembra com exatidão da data em que tudo mudou: 7 de agosto de 2023, dia de aniversário do marido.

Enquanto se arrumava para ir à escola, onde frequentava o EJA, percebeu José contorcendo-se de dor. Sem carro e sem tempo a perder, Maria chamou um táxi e o levou ao Hospital Ouro Branco (HOB). José foi internado e, em 2 dias, perdeu parte dos movimentos. Transferido ao Hospital Bruno Born (HBB), em Lajeado, passou por exames que confirmaram a gravidade do quadro. O médico responsável classificou a cirurgia como urgente.

Segundo o casal, a cirurgia chegou a ser marcada. No entanto, ao chegar no hospital para internação e procedimento, José teria sido informado de que os documentos necessários não constavam no sistema.

“Ligaram o computador e não tinha nada lá. Disseram que não podiam fazer a cirurgia porque os papéis não tinham sido lançados”, lamenta José. De acordo com eles, os documentos teriam sido encontrados somente 1 ano depois na Secretaria de Saúde de Teutônia, guardados numa gaveta.

“Saí chorando do hospital. Disse pro motorista da ambulância: ‘Agora sabe-se lá quando vou conseguir voltar’”, lembra José. “Eu tô sofrendo muito. Dói em tudo. Nem dormir eu consigo”, conta, emocionado.


Teutoniense espera pela cirurgia pois acredita que recuperará movimentos / Crédito: Anderson Lopes

Posição 164

O último laudo foi repassado à Prefeitura de Teutônia no dia 24 de novembro – mais de 2 anos depois do início do problema. José precisa de uma cirurgia de Artródese Cervical/Cérvico Torácica Posterior 4 Níveis. Na oportunidade, ele estava na posição 164 da fila para cirurgia pelo Gerenciamento de Consultas (Gercon) do SUS.

Enquanto aguarda a cirurgia, José vive acamado. Possui uma ferida aberta no glúteo, tratada por uma enfermeira terceirizada da Prefeitura. Ele também possui um cateter urinário, que necessita ser trocado uma vez ao mês.

Maria também enfrenta problemas de saúde na coluna. Sem condições físicas e financeiras, ela é a única cuidadora do companheiro, contando ocasionalmente com a ajuda de vizinhos.

José é ex-funcionário de longa data da Lactalis (antiga LG) e recebe benefício do governo após perder parcialmente a visão. Maria também é afastada por motivos de saúde. Ambos dependem de programas assistenciais.

Conforme o subsecretário de Saúde de Teutônia, Natanael Anastácio, o caso de José é difícil. “Fazemos tudo o que podemos para ajudá-lo, com fisioterapia, enfermagem e assistência social, mas, infelizmente, casos cirúrgicos são alta complexidade e, portanto, de responsabilidade do Estado. Nos sentimos de mão atadas, pois ele está na nossa frente, paga seus impostos e tem direito, mas não temos autoridade para intervir”, diz.

Anastácio acredita que o custo para a realização da cirurgia gire em torno de R$ 200 mil. “Pelo menos”, acrescenta.

Soluções que não resolvem

Segundo a família, a Assistência Social teria sugerido o encaminhamento de José a uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) – o que o subsecretário confirma. “Não como abandono, mas como forma de garantir cuidado contínuo e aliviar Maria, que cuida dele 24 horas por dia”, disse Anastácio.

No entanto, Maria e José não se sentem confortáveis com a ideia. Eles acreditam que, independentemente do encaminhamento para um lar, a espera pela cirurgia seria a mesma.

“Eu não quero colocar ele num asilo. Quero que façam a cirurgia que ele precisa”, afirma Maria. Ambos acreditam que, com a cirurgia, José possa recuperar os movimentos e voltar a ter autonomia.

Anastácio explica que a família foi informada sobre a judicialização do caso junto à Defensoria Pública. “Este seria o único modo de José poder ir para uma ILPI”, comenta. Isso porque essas instituições aceitam pessoas somente a partir dos 60 anos ou em casos judicializados, quando não há condições de manter o familiar em condições médicas adequadas.

Entre dores constantes, imobilidade e falta de perspectiva, José resume a situação: “Tô há 2 anos e meio assim, feito um nada. Eu só quero minha vida de volta.” Maria, exausta e ainda assim firme, completa: “O problema não é ter que cuidar dele, é ele ficar o resto da vida nesse estado.”

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