Projeto social “Na Cozinha com Languiru” vira oportunidade para fora dos muros da prisão

Cooperativismo estimula ressocialização de mulheres que cumprem pena no Presídio Estadual Feminino de Lajeado por meio de oficinas de culinária

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As mãos que se juntam e dedos que se entrelaçam em oração na cozinha do Presídio Feminino, de posse do avental da Languiru dão origem a diferentes pratos, em receitas doces e salgadas / Crédito: Leandro Augusto Hamester / Divulgação

Por entre as grades exala o cheirinho de esfirras e pasteis. Na cozinha, expectativa com o resultado do trabalho em equipe. Ao tilintar do forninho, olhos “recheados” de satisfação com a receita que tomou forma, enchendo as cozinheiras de orgulho. Está pronto mais um prato preparado por detentas do Presídio Estadual Feminino Miguel Alcides Feldens, de Lajeado (PEFL), no programa “Na Cozinha com a Languiru”, edição “Estabelecimentos Prisionais”. Com encontros mensais ao longo do primeiro semestre de 2022, elas participam de aulas de culinária ofertadas pela Cooperativa.

Aos 43 anos, a detenta identificada apenas como “T”, está há cerca de três anos no presídio lajeadense. Natural de Sobradinho, tem do lado de fora dos muros uma filha e os irmãos. Na oficina de culinária é uma das mais empolgadas. Seu maior “apetite” é pelo preparo de doces e salgados. Olhando em frente, vislumbra uma mesa cheia, com a família satisfeita.

Vinda de outra casa prisional, “T” está sempre ligada às oportunidades no PEFL. “Qualquer curso que apareça é válido, pois aprendizado nunca é demais. Foi isso que me motivou a participar desse curso de culinária”, frisa.

“T” recorda do tempo de criança. Sem a mãe e com o pai trabalhando fora, sentiu a necessidade de ajudar. “Eu era um toquinho de gente, subi num banquinho de madeira, lembrei como ele e minha mãe faziam, e assei um pão. Ele não acreditou que tinha sido eu e pediu que fizesse outro pra ver. Não tinha brinquedo e desde essa época eu já gostava de cozinhar”, revela.

Futuro

Pensando no futuro, “T” espera pelo certificado do curso de culinária. “Prefiro começar como empregada, não com negócio próprio, quem sabe mais adiante. O curso é uma grande oportunidade, mas sei que também vai depender de mim”, destaca. Ela estima ter mais seis a sete meses para cumprir.

Espiando de canto de olho a aula prática que acontece na cozinha enquanto é entrevistada, ela já adianta: “quando sair, a primeira coisa que vou preparar pra minha família é a banoffee (torta de banana)”, na expectativa de que o curso também lhe ensine a deixar um prato bem decorado “pra impressionar”.

Ao fim da conversa, “T” faz questão de deixar uma mensagem: “não tenham medo de apostar em presas, sabemos muito e sabemos aprender, a maioria quer uma oportunidade, mostre que essas pessoas não estão sozinhas. Se é difícil pra quem está lá fora, imagine alguém que sai daqui e precisa recomeçar”.

Processo de mudança

A diretora do PEFL, Rita de Cássia Donini Antocheviz, qualifica o “Na Cozinha com a Languiru” como uma iniciativa que contribui para a mudança do sistema prisional gaúcho. “Vem somar ao trabalho de ressocialização e de reinserção na sociedade. A comida pode ser um agente de mudança na vida destas mulheres, possibilitando que aprendam receitas simples e até mais requintadas”, avalia.

A escolha das participantes para as oficinas priorizou detentas que já trabalham no setor de alimentação do Presídio. As outras vagas foram preenchidas com apenadas que demonstraram interesse pela culinária e têm um bom comportamento e convívio com as demais.

Gratidão também da chef

Christiana Garcia é uma das chefs contratadas pela Languiru para cursos de culinária. É ela quem ministra a formação no Presídio. Assim como numa receita, vive um mix de sentimentos a cada novo prato. “Em palavras não consigo dar a grandiosidade que é esse projeto. Tenho consciência de que nem tudo é fácil, mas vale a pena dar uma oportunidade, ali há muitas mulheres só querendo isso. Quando não fazemos nossa parte, o mundo do crime faz”, disse.

O projeto

Para esta turma, serão seis aulas na cozinha industrial do PEFL, com teoria e prática sobre receitas, boas práticas no preparo de alimentos e na cozinha. Corte de saladas e carnes, preparo de pães, pizzas, salgados para eventos, doces, toda linha de confeitaria e técnica de preparos integram o cronograma. Os principais ingredientes são produtos Languiru.

A escolha dos pratos leva em consideração a estrutura disponível e o olhar da chef. “Sei das necessidades das empresas e restaurantes, avaliamos as possibilidades de inclusão no mercado. Prepará-las para uma nova vida é algo sem explicação, um sentimento mútuo de acolhimento, também aprendo muito com tudo isso”, conclui a “profe Chris”, como as detentas se dirigem à chef.

O projeto é uma realização da Cooperativa Languiru, com apoio da Secretaria Estadual de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS) e entidades de segurança pública.

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